O especialista em Saúde Pública contesta, em declarações ao programa da Renascença "Em Nome da Lei”, a inclusão na vacinação prioritária de mil figuras titulares de órgãos de soberania
"Em vez de se clarificar, obscureceu-se”, reforça.
O antigo diretor-geral da Saúde e ex-quadro do OMS congratula-se com a inclusão das pessoas com mais de 80 anos entre os que são vacinados nesta primeira fase, mas lamenta que o fator idade continue a não ter o peso que devia na definição dos que devem ser protegidos em primeira linha.
“Está cientificamente provado que a idade é o principal fator de risco e, portanto, deve ser esse o elemento orientador do plano de vacinação, e não apenas quem tem mais de 80 anos”, defende, apontando como bom exemplo o Reino Unido, "onde essa é a linha seguida” .
Hospitais estão disponíveis para participar
O bastonário da Ordem dos Médicos subscreve que “quando se acrescentam prioridades às prioridades, nada é prioritário” e sublinha que “falta um fio condutor ao plano de vacinação”.
Miguel Guimarães afirma que importa agora, sobretudo, operacionalizar o plano de vacinação e diz que não podem ser só os centros de saúde a intervir. “Temos de ter grandes centros de vacinação”, defende, ”alargando o processo, eventualmente, até, às farmácias, mas, sobretudo, aos hospitais”.
O bastonário revela que já disse ao coordenador da "task-force", Francisco Ramos, que "os hospitais estão disponíveis para participar, sobretudo ao fim de semana", porque "têm instalações, equipamento e pessoal para proceder a uma vacinação em segurança, inclusive com acesso rápido às urgências, se houver um choque anafilático”.
Miguel Guimarães diz que "até agora, foram vacinados menos de trinta por cento dos médicos do SNS e menos de dez por cento dos que não trabalham no sector público”. A situação deve ser idêntica no caso dos enfermeiros e de outras profissões, concluindo, portanto, que “temos muito poucos profissionais de saúde neste momento já vacinados”.
"Mil pessoas não é um número repugnante"
O processo de vacinação foi ainda criticado no "Em Nome da Lei” por outras razões. Constantino Sakellarides contesta o facto de o plan "ser omisso quanto ao que são as boas práticas científicas que sustentam as opções tomadas e de não ter sido objeto de parecer prévio do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida nem de um amplo consenso entre a comunidade académica e profissional”.
O especialista em saúde pública contesta ainda que na vacinação prioritária possam ser incluídas mil figuras titulares de órgãos de soberania, considerando que “só deveriam ser vinte ou trinta: os que efetivamente representam a cúpula do Estado e precisam de ser protegidos, até em termos simbólicos”.
Posição contrária tem André Dias Pereira. Este professor da Faculdade de Direito de Coimbra diz que "salvar os salvadores é também salvar as figuras essências do Estado”.
"Mil pessoas não é um número repugnante, sobretudo se pensarmos que ainda há dias deixaram destruir 600 doses da vacina num hospital em Penafiel”.
O especialista em Direito da Saúde confessa não perceber "como é que se chega ao final do mês de janeiro sem o Presidente da República estar ainda vacinado, sem os membros do Governo estarem vacinados”.
André Dias Pereira defende que, numa segunda fase, quando já não houver escassez de vacinas, “devemos tentar romper as cadeias de transmissão, vacinando profissões que lidam com o grande público e que portanto representam um risco aumentado de serem grandes veículos de transmissão do vírus”.
O especialista em direito da saúde e professor na Faculdade de Direito de Coimbra alerta que “os filhos não podem desresponsabilizar-se da vacinação dos pais com mais de 80 anos", devendo "ser proactivos", ajudando os seus progenitores a verificar se são contactados pelo SNS
”O Estado não pode fazer tudo”, argumenta André Dias Pereira, lembrando aos familiares dos idosos o dever de cuidar que a lei lhes impõe.
Questionado sobre a escassez de vacinas, o jurista reconhece que "é possível a um Estado ou um conjunto de países quebrar as patentes, em situações graves de saúde pública”, como, de resto, fizeram há uns anos o Brasil e a África do Sul por causa do HIV-SIDA.
“Os tratados internacionais permitem-no”, argumenta, admitindo que “a União Europeia poderia pôr fábricas a produzir vacinas em massa”. Todavia, lembra o especialista, "a União Europeia é um dos grandes beneficiários da propriedade industrial e intelectual do Mundo portanto não lhe interessa dar o mau exemplo de quebrar a fonte de rendimentos que daí derivam.”
Estas são declarações ao programa de Informação da Renascença "Em Nome da Lei”, que durante este segundo período de confinamento é emitido aos sábados às 13h00 e repetido à meia noite.