Em Portugal, é proibido perguntar aos doentes qual é a sua religião. Os doentes podem pedir assistência religiosa, se assim entenderem, mas os profissionais de saúde que trabalham nos hospitais não podem ter a iniciativa de questionar o doente sobre esse assunto.
O coordenador nacional das capelanias hospitalares, padre Fernando Sampaio, lamenta esta limitação, considerando que ela pode mesmo conduzir à violação dos direitos dos doentes, e recorda casos limite em que isso aconteceu, ou esteve quase a acontecer.
“Aconteceu-me um doente pedir assistência espiritual religiosa e eu fui prestá-la, mas eu não sabia que ele tinha feito um exame e estava sedado, pensava que ele estava em coma. Quando cheguei, estava lá um filho e ele pôs-me na rua, dizendo que não me queria lá. Mas quem tinha pedido foi o próprio pai”, recorda o sacerdote católico.
“Às vezes é a imposição de assistência que o próprio doente não quer. Por exemplo, numa ocasião telefonaram-me para ir prestar assistência a um determinado doente, para lhe dar a Santa Unção, e pediram-me para o fazer sub-repticiamente, para ele não se dar conta, e quando fui conversar com o doente, ele era de outra religião. E quem me pediu isso foi uma filha.”
“E também já me pediram para ir batizar uma senhora na urgência, uma vizinha muito amiga, etc., e eu depois tive o cuidado de tentar falar com a família, quando o próprio marido disse que não queriam nada disso”, conclui.
A alimentação é outro tema potencialmente sensível. Alguns cristãos evitam comer carne à sexta-feira, sobretudo durante a Quaresma, e a Sexta-feira Santa e Quarta-feira de Cinzas são dias de jejum, mas por regra o Cristianismo é muito mais flexível no que diz respeito às regras alimentares do que o Judaísmo, o Islão e o Hinduísmo, em que existem grandes restrições.
O padre Sampaio recorda o caso de um doente que não comia há três dias, porque não podia comer a comida regular servida no serviço em que estava inserido, e ninguém sabia porque não lhe tinham perguntado qual era a religião. A situação é ainda mais complicada em Portugal, uma vez que a maioria dos profissionais de saúde não convivem diariamente com este tipo de situação, por isso não têm sensibilidade para ela quando surge.
Mas para o padre Fernando Sampaio a conclusão é evidente. “O que acontece é que a questão religiosa implica nos cuidados de saúde. E implica fortemente, ou pode implicar. De tal maneira que temos essas situações da alimentação e outras ao nível dos cuidados.”
“Se de facto eu vou na rua ninguém tem nada a ver com a minha religião, ou não tem nada que perguntar ou vir implicar comigo, mas há situações, neste caso de internamento, em que isto tem a ver com o direito e a liberdade do próprio doente”, termina.
O padre Fernando Sampaio foi um dos participantes do II Congresso do Diálogo Religioso, que teve lugar em Lisboa, na Universidade Católica de Lisboa, organizada em conjunto pelo Alto Comissariado para as Migrações e a Comissão da Liberdade Religiosa.