A vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, Renata Benavente, entende que uma pessoa pode levar tempo a aperceber-se que foi vítima de um evento potencialmente traumático, numa referência ao "caso Rubiales".
Esta quarta-feira, circulou nas redes sociais um vídeo onde a jogadora Jenni Hermoso surge, horas depois da conquista do Mundial de Futebol feminino, a comentar, no autocarro da seleção feminina espanhola, o momento do beijo com o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), Luis Rubiales.
Nas imagens, a atleta está aparentemente sorridente e tranquila, enquanto comenta o momento que se tornou internacionalmente polémico. Chega mesmo a comparar a situação com o beijo entre Iker Casillas e Sara Carbonero, que na altura namoravam. A divulgação do vídeo gerou inúmeros comentários nas redes sociais, que criticam o facto de a jogadora ter denunciado que o beijo não foi consentido.
Em declarações à Renascença, a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Renata Benavente, alerta que um momento de euforia pode sobrepôr-se à situação negativa associada, enquadrando Jenni Hermoso num quadro generalizado de vítimas de agressão sexual.
"As vítimas, num primeiro momento, e isto até pode prolongar-se no tempo - é muito variável de pessoa para pessoa -, podem não ter esta capacidade refletir sobre a experiência como tendo sido uma prática abusiva", explica.
A psicóloga acrescenta que há vários fatores que impactam a capacidade de uma vítima de abuso sexual adquirir consciência de que é um momento indesejado e devem agir, como "as características individuais, como os fatores de personalidade, mas também o contexto em que as experiências ocorrem. Se é um contexto de alegria extrema, de uma celebração importante no contexto da família. Essa emoção positiva pode sobrepôr-se à componente negativa associada ao abuso".
Para Renata Benavente, a própria mente pode, nos dias seguintes, resistir a impulsos de denúncia relacionados com a posição hierárquica ou de poder do alegado agressor.
"Pode haver receio na cabeça da vítima, embora possa não existir uma ameaça concreta verbalizada ou agida. Mas, pode haver na cabeça da vítima este receio e, nestas situações em que há relação afetiva com o abusador ou dependência hierárquica, ou diferenciação de poder, isso é muito comum", remata.