Portugal corre o risco de perder milhares de milhões com venda do Novo Banco
24-04-2017 - 07:01
 • Sandra Afonso

No último ano, diminuíram os centros de decisão na banca e surgiu uma nova ameaça: o Montepio. É o balanço feito à Renascença por um dos fundadores do movimento para a reconfiguração da banca em Portugal, lançado há um ano.

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O economista José António Girão critica a venda do Novo Banco à Lone Star e avisa que, depois de concluído o negócio, o país vai ficar a pagar uma factura generosa.

“Neste momento, há riscos de a factura ser da ordem das dezenas de milhares de milhões de euros. Já pagou em parte, mas pode ainda ter que pagar”, afirma o professor catedrático na Universidade Nova e um dos fundadores do movimento "A reconfiguração da banca em Portugal", criado há um ano.

Em entrevista à Renascença, José António Girão critica ainda a postura de quem decide: “dá a ideia que se está a caminhar para um processo em que ninguém controla nada, ninguém está preocupado e está toda a gente interessado em ver-se livre do Novo Banco”, sem que os custos da factura sejam devidamente ponderados.

Um ano depois de lançada "A reconfiguração da banca em Portugal", a partir de um manifesto contra a espanholização da banca e o “excesso de dirigismo” de Bruxelas, o balanço não é simpático: há mais capital estrangeiro na banca portuguesa, novos casos problemáticos e soluções que os membros daquele grupo de reflexão consideram questionáveis.

A boa notícia é que os casos da Caixa Geral de Depósitos e do BCP estão em vias de resolução. Segundo José António Girão, “a solução encontrada [nestes casos] permite alguma credibilidade, confiança e, portanto, uma evolução positiva”.

Quanto aos casos problemáticos, se “o mais flagrante é o BES, cuja factura corre o risco de aumentar imenso”, surgiu ainda o Montepio, que “ainda não está resolvido”.

O Montepio

É a nova pedra no sapato da tutela e da supervisão. O Governo tem-se mantido à margem da polémica – uma posição sensata na opinião do economista José António Girão, porque as soluções devem ser encontradas em privado.

Não menos importante, sublinha o catedrático, é garantir que as autoridades competentes estão a actuar de forma concertada e que é isso que passa para a praça pública. Assegurar que o supervisor e a tutela puxam para o mesmo lado, reforça.

Segundo José António Girão, “no Montepio, uma grande parte dos problemas – pelo menos é a voz corrente nos meios mais informados – é o facto de haver a parte associativa e cooperativa dependente do Ministério do Trabalho e a parte bancária dependente do Banco de Portugal, [o que] tem levado a determinadas situações em que há passagens de um lado para o outro para ir concertando os factos”.

Ora, “concertar é uma coisa, ganhar tempo para os resolver outra. Outra diferente é essa concertação não se fazer e jogar com diferentes áreas de tal forma que se camufla o problema. Isso é que é mau”, conclui.

À semelhança de outros casos na banca, o do Montepio exige uma solução credível, estratégica e firme, o que, na opinião do economista não existe. José António Girão duvida mesmo que o actual sistema político seja representativo.

Centros de Decisão

Segundo o balanço feito pel’ “A reconfiguração da banca em Portugal”, Portugal corre o risco de perder os centros de decisão. Um anos depois, o BPI é controlado por capital espanhol, no BCP entrou dinheiro fresco (capital estrangeiro) e o Novo Banco está a ser comprado por um fundo norte-americano.

Defendem os fundadores do grupo de reflexão que o país em vias de perder o controlo sobre os bancos nacionais. “Todo este processo levou a uma perda de valor e a uma descapitalização da banca”.

“Chegámos a uma situação em que estamos em vias de perder o controlo numa área decisiva para podermos crescer, desenvolver e obter financiamento”, avisa José António Girão.

O economista defende também que as decisões são muitas vezes tomadas de forma amadora, movidas por interesses privados. “Quem decide não tem em conta um conjunto de regras, princípios, que estão subjacentes a uma actuação em termos de políticas públicas credíveis. Não vale a pena inventarmos a roda. São soluções que escondem interesses privados”.

Banco de Portugal

Antigo consultor e ex-director Adjunto do Departamento de Estatística e Estudos do Banco de Portugal, José António Girão critica também a actuação do supervisor.

O Banco de Portugal, enquanto parte integrante do sistema europeu de bancos centrais, tem de garantir o respeito pelas regras europeias, mas também levar em conta os interesses nacionais.

“Não é uma entidade autónoma, tem de respeitar o interesse do país”, sublinha o economista, considerando que é, por isso, legítimo questionar se a instituição está a desempenhar o seu papel. José António Girão conclui que não.

Além disso, o professor catedrático chumba a actuação do banco central enquanto supervisor e garante também que, apesar de se continuar a discutir as causas em comissões, inquéritos e auditorias, quem está lá dentro sabe o que correu mal. “Não seria difícil, por parte de quem conheceu e conhece o Banco de Portugal, saber porque é que essa supervisão falhou”.

O movimento para “A reconfiguração da banca em Portugal” é uma iniciativa que reúne nomes de peso do país, como Manuela Ferreira Leite, António Barreto, João Salgueiro, Bagão Felix e Rui Rio. Juntaram-se em defesa de uma banca que proteja os centros de decisão e na defesa de soluções mais actuantes.