À sombra da eutanásia
04-11-2021 - 08:30

Eutanasiar é causar a morte a uma pessoa quando esta se encontra mais vulnerável, por mais que se anestesie o conceito com novos nomes e se esconda no discurso o acto objectivo de matar.

Eutanásia: o que é que está tão errado em tudo isto? Porque é que a eutanásia é proposta com uma urgência que parece, no mínimo, desesperada? Porquê ignorar repetidamente os estudos, a opinião dos médicos e profissionais de saúde, os valores de toda uma sociedade, um debate aberto, para obliterar nada menos do que todo o primeiro artigo do capítulo sobre direitos, liberdades e garantias da constituição portuguesa (a vida humana é inviolável; em caso algum haverá pena de morte)?

Eutanasiar é causar a morte a uma pessoa quando esta se encontra mais vulnerável, por mais que se anestesie o conceito com novos nomes e se esconda no discurso o acto objectivo de matar. E não se pode dizer que não sabemos o que irá depois suceder: nos países onde a eutanásia foi permitida e expandida ao longo dos anos toda a cultura se transformou: matar deixou de ser um crime e passou a ser a solução para um problema. À sombra da lei da eutanásia, passou a conceber-se como lícito matar para resolver problemas. Não apenas lícito mas banal.

Quem defende a eutanásia fala de liberdade, escolha e autonomia. Mas sabemos hoje, com segurança, que isto é uma falsidade: o projeto de lei autoriza médicos e enfermeiros a matar os doentes que pedem para morrer, mas são já incontáveis os relatos (muitos já estudados e divulgados em publicações científicas) de mortes sem pedido prévio.

Quem defende a eutanásia afirma que a morte é dada a quem já vai morrer em breve. Mas isto também não é verdade: algumas das pessoas vítimas de eutanásia teriam anos de vida à sua frente.

Quem propõe a eutanásia pretende ser rigoroso, mas usa linguagem vaga e indefinida. Não é difícil perceber porquê: A indefinição dos termos da proposta de lei permite alargar facilmente as fronteiras da população elegível, protegendo legalmente quem a pratica.

Quem propõe a eutanásia fala de um doente consciente que a pede livremente. Mas não é isto o que a realidade mostra: a eutanásia acaba logo por ser aplicada a pessoas portadoras de deficiência, doentes mentais, crianças e idosos com demência.

A eutanásia é uma “solução" para pessoas (nós) a quem são devidos (e assim negados) acompanhamento, tratamento, apoio espiritual, suporte social e familiar, controle da dor, solidariedade e respeito. Numa palavra, amor. Mesmo só no papel, a eutanásia já matou esta possibilidade.



*Henrique Leitão, Investigador de História e Filosofia das Ciências (SAHFC), FCUL