São cada vez mais os que precisam da ajuda de um psicólogo, mas nos centro de saúde há apenas 250 profissionais, número manifestamente insuficiente para as necessidades. E sem apoio especializado, os médicos de família acabam por prescrever medicação para conter os sintomas e aliviar o sofrimento dos doentes, que se acentuou com a pandemia.
O número de casos graves que exigem a intervenção do INEM tem aumentado, mas há outros, mais ligeiros e transitórios, que podem ser atenuados ou resolvidos sem necessidade de recurso ao psicólogo.
Essa foi uma das razões que levou a Ordem dos Psicólogos Portugueses a reativar uma série de materiais/documentos na sua página, destinados aos diferentes públicos: crianças e adolescentes, jovens e adultos. Há ainda um Guia de A a Z sobre a saúde mental e um documento sobre como lidar com a tristeza.
Há psicólogos, mas não estão onde fazem mais falta
“Há uma incongruência porque existem, de facto, psicólogos suficientes – 25 mil – mas não estamos nos serviços [públicos de saúde] e a apoiar a população que mais precisa de nós”, diz Renata Benavente, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), em entrevista à Renascença.
No Serviço Nacional de Saúde, há atualmente perto de um milhar de psicólogos (250 em centros de saúde) para uma população de 10 milhões de habitantes, um terço dos quais com algum problema de saúde mental, a precisar de apoio. “Com uma procura crescente, muito intensificada pelas circunstâncias da pandemia de Covid-19, a procura é cada vez maior e esse número de profissionais é absolutamente insignificante”.
Renata Benavente revela que nalguns serviços – por exemplo, centros de saúde – estão a ser priorizadas consultas de avaliação inicial (triagem) sem garantia de acompanhamento.
“A intervenção psicológica requer uma continuidade que, de acordo com as boas práticas, devia ser semanal e ter alguma duração no tempo. Mas, com o volume de pedidos que surge, é impossível enquadrar estas pessoas em seguimento. Muitas não têm mais de 2-3 consultas/ano. Ou seja, não se consegue fazer um trabalho de mudança efetiva”, alerta a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos.
Esta falta de resposta especializada justifica o que tem sido identificado como consumo excessivo de psicofármacos: o que os médicos de família acabam por fazer, numa lógica de conter os sintomas e aliviar o sofrimento dos doentes, é prescrever medicação.
E, para Renata Benavente, “há um número que nos deve fazer refletir como cidadãos: 46 milhões de euros gastos nos primeiros nove meses de 2021 em psicofármacos” (ansiolíticos, antidepressivos, sedativos, hipnóticos e toda a medicação que ajuda a controlar o sofrimento emocional). “Ou seja, estamos a minimizar os sintomas, a pessoa fica mais tranquila, mas não resolvemos o problema nem damos competências às pessoas para que, de uma forma autónoma, ultrapassem as situações”.
Renata Benavente sublinha que a Ordem tem chamado muito a atenção do Governo – e, particularmente, do Ministério da Saúde – para a insuficiência de recursos, “porque percebemos que a população está a ser altamente penalizada”.
E alerta que esta situação tem muitos impactos, além da saúde: no trabalho e ao nível financeiro. “Quando uma pessoa não está bem a nível psicológico, isso tem influência no cuidado que presta aos filhos, na sua relação com os outros e na atividade laboral. Temos muitas situações de baixas médicas de pessoas que não estão capazes psicologicamente de desempenhar a sua profissão; noutros casos, há ‘presentismo’. Ou seja, as pessoas estão no seu local de trabalho, mas não estão bem, não se conseguem concentrar no que fazem. E isto também tem custos financeiros para as empresas/organizações. É aquilo a que chamamos custos indiretos”.
A conclusão da Reforma da Saúde Mental é uma das medidas que consta do PRR (Plano de Resolução e Resiliência) e a Ordem dos Psicólogos espera que o novo Governo dê mais atenção à psicologia e à prestação de cuidados à população.
Guias para ajuda a lidar com a tristeza
A pandemia agravou os estados de ansiedade e de depressão da população em geral. Por isso, e tendo em conta a dificuldade de ter acesso a serviços de psicologia, a Ordem dos Psicólogos decidiu reativar uma série de informação, de acesso livre no seu site.
“Por um lado, pretende-se promover a literacia em saúde mental e, por outro, clarificar algumas dúvidas que surjam”, diz Renata Benavente.
Como lidar com sentimentos ou perturbações como o stress, ansiedade, ataques de pânico, depressão, estigma, luto, bullying, agressividade? Em “Encontre uma saída – um guia da saúde mental de A a Z”, a OPP dá conta de algumas ferramentas que ajudam a gerir estes estados, com propostas, sugestões que a pessoa pode pôr em prática. Por exemplo, reforçar as relações sociais, manter rotinas, cuidar da alimentação, praticar exercício físico.
“São algumas estratégias práticas que a pessoa pode usar na sua vida diária para não deixar a situação agravar-se e avançar para um quadro mais sério, mais difícil de reverter”, explica Renata Benavente.
O portal EuSinto.me é um agregador de documentos, mas onde também encontra a assistente virtual Ana, que responde a algumas dúvidas e queixas, com encaminhamento imediato para materiais de esclarecimento. Também se explica como interpretar as queixas e valorizar ou não alguns sintomas.
“Quando falamos de alarme, o que nos deve orientar é a intensidade e a duração das queixas. E às vezes, a reação que vem de fora, de familiares e amigos pode ser útil. Quem nos conhece bem pode identificar bem o que é uma alteração ligeira ou uma alteração séria no nosso comportamento”, explica a psicóloga.
E, em caso de dúvida, é bom perguntar a quem sabe, ou seja, aos psicólogos. Responder a algumas dúvidas é precisamente o papel dos profissionais que estão na linha de aconselhamento psicológico do SNS24, criada na sequência da pandemia “porque se percebeu de imediato que o estado da saúde mental das populações ia agravar-se”.
Quem precisar, liga o número da SNS24 (808242424) e, entre as várias opções, digita o algarismo para o aconselhamento psicológico, feito exclusivamente por psicólogos. Um serviço que resulta da parceria entre o Ministério da Saúde, a Fundação Gulbenkian e a Ordem dos Psicólogos.
Nesse contacto de triagem, as pessoas são aconselhadas e, em caso de necessidade, encaminhadas para os serviços especializados, nomeadamente através dos centros de saúde ou em contexto hospitalar. É o utente que tem que fazer esse caminho, devia ser um processo mais ágil e rápido”, admite Renata Benavente.
No entanto, quando os psicólogos da linha se deparam com um caso de maior gravidade, em que a vida da pessoa está em risco, é acionada a intervenção do INEM. E o número de pedidos tem crescido, nomeadamente associados a comportamentos de ansiedade, pânico e comportamentos suicidários.
Durante os dois anos de pandemia, houve um aumento de quase 53% de casos – ou seja, um total de 1.518, segundo o INEM – em todas as faixas etárias mas, particularmente, entre os jovens até aos 19 anos.