O projeto de uma aliança militar anti-Irão, semelhante à NATO, deve constituir aspeto central da visita do Presidente norte-americano à Arábia Saudita, na sexta-feira e após uma passagem por Israel, país entusiasta deste projeto.
A confirmação surgiu logo no início do périplo de Biden na tarde de quarta-feira em território israelita, com o primeiro-ministro interino Yair Lapid a considerar de imediato que os EUA e Israel devem restaurar "uma forte coligação mundial" contra o Irão.
Previamente, o `site` iraniano Iran Emrooz (Irão Hoje, em persa) recordava que após a sua deslocação aos Emirados Árabes Unidos (EAU) em 23 de junho, o rei Abdullah II da Jordânia declarou em entrevista ao `media` norte-americano CNBC que o seu país vai apoiar a formação de uma aliança militar, com características semelhantes às da NATO, entre os países aliados do Médio Oriente.
O líder jordano afirmou que seria "um dos primeiros a apoiar o lançamento de uma NATO no Médio Oriente" e sublinhou a necessidade de a aliança se dotar de uma "missão muito, muito clara", para evitar "confusões".
A eventualidade desta nova aliança, uma "NATO árabe" como já foi designada, reveste-se de maior significado pela eventualidade de incluir Israel, numa comprovação da reaproximação entre o Estado judaico e diversos vizinhos árabes.
No final de junho, o ministro da Defesa israelita Benny Gantz anunciou que Israel se juntou à Middle East Air Defense Aliance (MEAD), uma rede patrocinada pelos Estados Unidos, mas sem especificar o envolvimento de países árabes.
Gantz também esclareceu que Telavive e Washington estão a promover uma "Aliança no Médio Oriente de Defesa Antiaérea". Em março, enviados norte-americanos organizaram em Charm el-Cheikh (Egito) um encontro secreto para abordar a cooperação na área da defesa, com representantes do alto comando militar do país anfitrião e de Israel, Arábia Saudita, Qatar, Jordânia, EAU e Bahrein.
O projeto de uma "NATO árabe" poderá ser justificado por diversos fatores, em particular o facto de os Estados Unidos, considerados um decisivo "garante de segurança", estarem a retirar-se progressivamente da região desde há alguns anos.
"Os árabes estão conscientes que as suas anteriores apostas com as potências ocidentais, em particular os EUA, não foram bem-sucedidas", considerou em recentes declarações à Deutsche Welle (DW) Ahmed el-Sayed Ahmed, analista do Centro de Estudos Políticos e Estratégicos do Cairo.
"Agora, existe uma diferente abordagem aos problemas regionais para garantir estabilidade e melhorar a economia, sobretudo após a pandemia do covid-19 e devido à instabilidade provocada pela guerra na Ucrânia. Esta atitude pode ser descrita como o desejo de não ter problemas na região", adiantou.
Os analistas que acompanham a região afirmam que uma "aliança defensiva" incluiria certamente os Estados que normalizaram as relações com Israel. Neste sentido, o objetivo também pode consistir na integração do Estado judaico numa aliança militar do Médio Oriente com alguns Estados autocráticos árabes, e tendo sempre como objetivo conter o Irão e aliados.
Um projeto que daria continuidade ao reforço dos laços entre israelitas e vizinhos árabes, iniciados com os designados Acordos de Abraão de 2020 -- que englobam os EAU, Bahrein, Sudão e Marrocos -- e a consequente "normalização" de relações, mas sem excluir o Egito e a Jordânia, com quem Israel já mantém laços diplomáticos, respetivamente desde 1979 e 1994.
Arábia Saudita, Omã, Qatar e Kuwait também poderão desempenhar uma função nesta aliança em vias de ser delineada, e que contaria certamente com o envolvimento dos Estados Unidos.
A presença de representantes da Arábia Saudita e do Qatar na reunião secreta de Charm el-Cheikh poderá significar que estes dois países estão a um passo da assinatura de um acordo de paz com os israelitas.
No entanto, diversos observadores coincidem em considerar que ainda está longe a formação de uma nova coligação ao estilo da aliança militar ocidental, apesar de admitirem o reforço da cooperação regional, um dos objetivos na agenda do Presidente do EUA Joe Biden quando chegar à cidade saudita de Jeddah, onde decorre um encontro regional de líderes árabes.
A persistência de demasiadas diferenças entre os aliados potenciais deverá comprometer no imediato a formação de uma nova coligação. A nova aliança decerto que se limitará à criação de um sistema coletivo de defesa antiaérea, ao deslocamento de radares e à elaboração de um sistema de alerta na região do Golfo Pérsico. Mas excluindo para já forças terrestres, navais ou aéreas.
"Esta aliança é destinada a enfrentar o Irão. É totalmente encorajada por Israel e pretende que os países da região estejam envolvidos no confronto contra Teerão, e quando um anunciado `guarda-chuva` norte-americano não passa de um artifício para os que pretendem apoio e proteção", considerou o politólogo jordano Munzir al-Khawarat em declarações à Raseef22, uma rede digital árabe baseada no Líbano.
A fundação de uma "NATO do Médio Oriente" necessita de posições unânimes. Por exemplo, Israel define de "terrorista" o movimento palestiniano Hamas, enquanto a maioria dos países árabes o consideram um "movimento de resistência". Os Estados Unidos, a Jordânia e outros países não consideram a Irmandade Muçulmana como uma organização terrorista, ao contrário do Egito, da Arábia Saudita e dos EAU.
A criação desta aliança teria uma função essencial de dissuasão, para persuadir os países da região de que se encontram em segurança face ao Irão.
"Circulam informações sobre inúmeras discussões sobre esta aliança, mas é pouco provável que surja a curto prazo devido às divergências de objetivos, de interesses, e dos problemas da região", precisou Munzir al-Khawarat.
Na cimeira da Liga Árabe, em 2015, o autoritário Presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, propôs a criação de forças aliadas árabes para combater o terrorismo. Os chefes de estado-maior dos exércitos árabes chegaram a promover diversas reuniões, mas sem obterem qualquer resultado.
Mas a normalização das relações de Israel com alguns países árabes, e que pode vir a ser concretizada com o Qatar e sobretudo a Arábia Saudita -- o grande rival regional do Irão e que desde 2015 dirige a "coligação árabe" que interveio no Iémen --, é um novo dado no `tabuleiro` geopolítico desta conturbada região.
Em paralelo, o Irão parece estar próximo de obter a arma nuclear, e quando os seus aviões e mísseis também se envolveram no conflito do Iémen com ataques a posições sauditas dos Emirados, reivindicados pelos seus aliados Houthis.
Os analistas admitem que, perante este cenário, o Irão procure por todos os meios impedir a concretização desta aliança, e tente encontrar as falhas possíveis no projeto de defesa antiaérea que se perspetiva.
Em termos estritamente geopolíticos, e para além do regime de Teerão, não se prevê que o eventual embrião de uma "NATO do Médio Oriente" -- que poderá estender-se a uma "NATO do Pacífico" --, inclua pelo menos no curto prazo países ou entidades árabes como a Argélia, Tunísia, Líbia, Palestina, Síria, Líbano, Iraque, Iémen, ou mesmo as estratégicas Eritreia ou Djibuti. E sem referir a Turquia, um país "não árabe", como o Irão, e envolvido numa redefinição das suas estratégias na região.