Bullying e ciberbullying. "Basta uma humilhação e está a praticar um crime"
04-09-2019 - 15:13
 • Marta Grosso , Fátima Casanova

O subintendente Hugo Guinote, da PSP, esteve nas Três da Manhã para falar do fenómeno que atinge cada mais jovens. “É fundamental participar” às autoridades, sublinha.

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Estão a aumentar as queixas por bullying junto das autoridades. O aumento não é significativo, mas a PSP está alerta.

De acordo com o subintendente Hugo Guinote, do Departamento de Operações da PSP, “não existe a tipificação do crime de bullying”, nem em Portugal nem noutros países.

Contudo, há uma série de ações contidas na prática de bullying ou ciberbullying que configuram um crime. Entre elas, a violência física, psicológica ou social.

Hugo Guinote esteve no programa As Três da Manhã para falar da realidade portuguesa, depois de um estudo da UNICEF revelar que um em cada três jovens diz já ter sido vítima de bullying online.

Leia aqui toda a entrevista.


Que ações é que a PSP desenvolve para ajudar a reduzir o fenómeno do bullying?

A PSP tem desenvolvido um conjunto de ações de sensibilização que procuram sensibilizar, não só alunos, mas também professores, assistentes e pais em relação à prática da violência de uma forma generalizada.

No ano letivo transato, efetuámos cerca de 33 mil ações de sensibilização sobre bullying, 35 mil sobre a utilização das novas tecnologias que estão relacionadas com o ciberbullying; mas, especificamente sobre este tema, fizemos mais de 27 mil ações de sensibilização.

Mas, em Portugal, o bullying não é crime.

Em Portugal, como nos restantes países, não existe a tipificação do crime de bullying. Para ele concorrem um conjunto de crimes e por isso é difícil, quando se fala sobre bullying ou ciberbullying, nós percebermos sobre o que estamos a falar.

A violência física, psicológica ou social contribuem para aquilo que é considerado o fenómeno de bullying.

Além disso, a mera ofensa, a injúria, além da devassa da vida privada como muitas vezes acontece quando se recorre à utilização de fotografias e à sua colocação nas redes sociais para, de alguma forma, coagir os outros para determinados atos ou como vingança sobre a sua não adesão a determinadas práticas ou compromissos.

Tudo isto contribui para aquilo que genericamente se considera ser o bullying.

Vídeos de jovens a agredir outros jovens é crime?

Isso é sempre crime e é muito importante clarificar este ponto: o bullying e o ciberbullying como genericamente são falados são sempre crime. Qualquer destes jovens que cometa um destes atos está a praticar um crime.

Mas porquê? Porque é uma agressão física que aparece ou porque há uma situação de humilhação?

Não é porque aparece, é porque é feita. Basta fazer. Basta fazer uma humilhação, uma ofensa, uma agressão e está a praticar um crime.

A sua divulgação ou não depois concorre para aquilo que se chama o ciberbullying, mas estamos sempre a falar de crimes que são cometidos e que naturalmente têm depois o seu desenvolvimento do ponto de vista processual e que pode levar à aplicação de determinadas consequências à criança ou ao jovem.

Mas essas consequências são mais graves se o crime for divulgado na internet?

Podem ser, porque para isso já estão a ser praticados novos crimes e atendendo a que o impacto sobre a vítima pode também ser maior.

E em que tipo de penas é que estes jovens incorrem?

Isso é muito variado, desde admoestações a serviços comunitários, isto no âmbito da própria escola, se a escola chamar a si a responsabilidade de gerir.

E aqui há um fenómeno que é difícil também explicar aos pais: o bullying, o fenómeno, sustenta-se num conjunto de princípios e não se restringe à mera agressão, ou seja, se uma criança agredir outra é uma agressão; se houver uma continuidade no tempo de uma relação desigual de forças e uma tentativa de controlo do mais forte sobre o mais fraco – e não tem necessariamente a ver com força física, pode ser uma questão de idade ou superioridade de caráter, de grupo; tudo o que implique o controlo de um sobre o outro – aqui é que estamos no fenómeno do bullying.

Portanto, há que distinguir a mera agressão, um fenómeno ocasional. E temos que perceber que as crianças que estão num espaço que funciona com regras diferentes, que é o espaço escolar, em relação à demais sociedade, estão-no por alguma razão e a primeira das suas práticas tem a ver com o aprender a conviver uns com os outros.

De certa forma, é relativamente razoável que haja às vezes um excesso na forma como interagem uns com os outros, mas depois tem que haver um conjunto de intervenções que têm que ser desencadeadas, não só para apoiar a vítima, mas também para o agressor. É muito importante apoiarmos o agressor.

Tem ideia de quantos jovens foram identificados até agora por causa da prática de bullying?

Não, porque não conseguimos ter monitorização sobre o crime de bullying. O que podemos dizer é que o crime de ofensas à integridade física está a diminuir e, pelo contrário, está a aumentar o número de participações de injúrias e ofensas, o que para nós é positivo, porque isto quer dizer que os conflitos são detetados e participados numa fase mais precoce.

Mas quem participa?

Em regra, são as próprias crianças ou jovens, que depois vão falar com os funcionários, com os assistentes ou com os professores e aciona-se as equipas da Escola Segura para depois fazer a participação de crime.

É então através da escola que é feita esta participação?

Muitas vezes, sim. Os pais também o podem fazer.

E esse aumento das denúncias, é significativo?

Não, é residual. Estamos aqui a falar de oscilação de 20/30 por ano.

E que conselhos dão aos pais quando acontecem estes fenómenos?

Que participem às forças de segurança. É fundamental, porque para isso concorrem o acionamento de um conjunto de procedimentos que visam, repito, o apoio não só à vítima, mas sobretudo à criança que é agressora.

O que fazem ao agressor?

Os nossos agentes do programa Escola Segura estão a receber uma formação cada vez mais especializada nesse âmbito – e eventualmente faz aqui sentido fazer a referência à parceria que temos com a clínica Pin, que tem uma equipa especializada de psicólogos para este tipo de fenómeno, e à parceria com a Fundação PT, que nos dá os conteúdos sobre as redes sociais e o espaço na internet que, conjugados, nos permite perceber melhor os fenómenos que concorrem para a hiperatividade, para os comportamentos de oposição, de ansiedade, enfim, para o desenvolvimento normativo daquilo que é a criança e aquilo que foge ao desenvolvimento normativo.

Quer isto dizer que os nossos agentes estão cada vez mais habilitados a identificar aquilo que são comportamentos que não são o padrão dos agressores, tentar perceber o que está a ser a causa daquele comportamento, perceber o que podem fazer e, sobretudo, o que não devem fazer quando a criança está particularmente ativa, num pico de ansiedade que levou a que ela desencadeasse aquele comportamento violento. E depois, idealmente, junto com os pais e as escolas, procurar apoio psicoterapêutico para, compreendendo as causas, agir sobre elas.

Porque as crianças que hoje agridem vão, amanhã, provavelmente desencadear um conjunto de outros comportamentos que vai desde a marginalidade até eventualmente a prática de crimes.

De acordo com a UNICEF Portugal, quase metade dos jovens portugueses entre os 13 e os 15 anos diz ter sido vítima de bullying ou ter estado envolvido em bullying no último ano, na escola.