A história recente da luta contra a corrupção tem um traço claro: a oposição do PS a medidas mais eficazes, mas menos tradicionais. Os socialistas alegam, frequentemente, que medidas mais ousadas violam a constituição. E, de facto, o Tribunal Constitucional já duas vezes chumbou diplomas que pretendiam criminalizar o enriquecimento ilícito.
O ónus da prova não pode recair sobre quem é réu. Esse ónus cabe a quem acusa, o Ministério Público. Compreende-se: a prova de facto negativo – “não fiz isto” - é extremamente difícil de produzir. Por isso é inconstitucional.
Por detrás desse argumento estará o desejo de não fazer ondas, que poderiam incomodar pessoas ligadas ao PS. O que se passou ficou claro com as dificuldades enfrentadas por João Cravinho (pai) quando foi ministro e deputado. Disse ele ao “Público” em setembro de 2018: “A reação foi violenta: em 40 anos de democracia, fui o único ministro das Obras Públicas cuja demissão foi pública e formalmente exigida pelos grandes empreiteiros ao primeiro-ministro e ao Presidente da República”.
Mais tarde, como deputado, apresentou uma série de ideias para travar a corrupção. Quase nenhuma mereceu o apoio do PS. Entre as rejeitadas, encontrava-se a tipificação como crime do que se chamou então o “enriquecimento oculto, não transparente ou não justificado”. A criminalização foi recusada pela direção do PS, tendo então Alberto Martins alegado que era inconstitucional por inverter o ónus da prova. “Nunca fiz um projeto, porque percebi que a oposição era total”, disse J. Cravinho naquela entrevista a São José Almeida. A oposição era do PS.
Agora, no governo de António Costa, deram-se finalmente alguns pequenos passos. Foi admitido pela ministra da Justiça que que pessoas que praticaram um crime, mas colaborem com a justiça na descoberta da verdade, possam ser beneficiadas com uma atenuação especial da pena. Mas nada a ministra avançou quanto à punição do enriquecimento ilegítimo. Só que há maneiras de evitar a inconstitucionalidade.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (atenção: não é o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, por natureza interessado em justificar acusações) não se conforma com a omissão do enriquecimento ilícito para titulares de cargos públicos na estratégia contra a corrupção da ministra da Justiça e irá entregar uma proposta aos deputados. Para os juízes não chega que os políticos declarem a aquisição de património durante o exercício do seu cargo; também devem justificar como o fizeram.
A palavra decisiva quanto a mais esta tentativa para combater com eficácia a corrupção cabe aos deputados na Assembleia da República.