Emprego, emprego, emprego. É a prioridade do Bloco de Esquerda, que acredita ter capacidade para determinar a política nacional. “O Bloco é a força contra o pântano”, declarou Catarina Martins, a líder reeleita na XII Convenção Nacional do Bloco, no seu discurso de encerramento, recuperando uma expressão quase que traumática para os socialistas.
Foi para evitar o pântano que há 20 anos, depois das autárquicas de 2001, António Guterres deixou a liderança do PS, que haveria de perder as eleições para PSD e CDS no ano seguinte, dando lugar ao Governo Durão- Portas. Agora, a meses de eleições autárquicas e sem uma maioria estável no Parlamento, o “pântano” político volta a pairar nos discursos políticos. Mas o Bloco, que acusa o PS de ter recusado acordos mais estáveis, acredita que vai continuar a ter força, como terceiro partido parlamentar, para determinar a política nacional.
No seu discurso, Catarina Martins agitou o fantasma da extrema-direita que acusa o PSD de estar a promover, para proclamar que como o Bloco é determinante.
“Já se percebeu que, ao fazer esta escolha vertiginosa, Rui Rio quer levar a extrema-direita para o governo e, por isso, perdeu capacidade de disputar o centro ao PS. O PSD já não sabe fazer de outra forma e não se atreve sequer a pensar nisso. O PSD é um fantasma que só vibra quando alguém grita “morte ao socialismo”. À esquerda, essa desistência da direita coloca ainda maiores responsabilidades: toda a política nacional será determinada pela força da esquerda para conseguir as soluções para o país”, afirmou Catarina Martins, que definiu o emprego como a prioridade das prioridades do Bloco.
Habitação, clima e cuidados sociais
Para a criação de emprego, a líder do Bloco anunciou três prioridades: habitação, clima e cuidados sociais. E para cada qual elencou o que deve ser feito.
“Na habitação, o governo desistiu de cumprir as 26 mil casas prometidas até 2024 e já só depende de financiamento europeu para fazer o pouco que conseguir. Nós não desistimos do plano de investimento que apresentámos ao país: 150 mil casas para um parque público habitacional com uma dimensão suficiente não apenas para responder a quem está mais vulneráveis, mas também para regular o mercado e garantir casas a preços justos”, defendeu Catarina Martins. A questão da habitação já foi a prioridade do programa eleitoral do Bloco para as eleições legislativas de 2019.
“No clima, não valem mais promessas. Para reduzir a menos de metade as emissões até ao fim da década, são precisas medidas muito difíceis: tirar o tráfego automóvel do centro das cidades, acabar com o avião nas curtas e médias distâncias, reconverter produção energética e industrial, reestruturar a agricultura. Não aceitamos que se finja que serão alcançados objetivos tão exigentes através de pequenos passos e coisas de nada. Ou cumprimos ou falhamos; ou salvamos a nossa casa que está a arder ou apagamos as cinzas”, continuou a líder bloquista.
Já no cuidado pelos outros, o Bloco quer mais responsabilidade do Estado nas respostas sociais. “No cuidado não aceitamos mais o abandono e a desumanização de quem está mais vulnerável, nem a desresponsabilização do Estado pelas respostas sociais, das creches aos lares, do apoio domiciliário à vida independente. E não aceitamos as horas longas e os salários de miséria de quem cuida, afirmou Catarina Martins, que voltou a exigir alterações nas leis laborais.
“Sem mexer nas leis laborais, o esforço de recuperação pode bem ir parar aos bolsos dos mesmos que se esquecem de tudo nas comissões de inquérito, mas que se unem sempre para reclamar contra leis do trabalho fortes. O investimento que tem de ser feito, não se pode traduzir no salário mínimo como regra, na exploração do trabalho temporário ou dos 3€ à hora das estufas de Odemira”, afirmou.
E no que diz respeito a exploração, o Bloco vai apresentar já esta semana um projeto “para responsabilizar os donos das explorações agrícolas ou das obras, bem como os donos das terras, pelos crimes contra os trabalhadores”. Este projeto “é só o começo”, avisou Catarina Martins, lembrando várias intenções do BE: “repôr os direitos contra o despedimento, combater o trabalho temporário, garantir contrato efetivo contra a precariedade, recuperar carreiras no público como no privado”.
Ataque ao PSD, Governo quase ausente
O discurso final de Catarina Martins foi politicamente muito marcado por uma taque à direita e, em concreto, ao PSD.
“O PSD não hesita em caminhar para uma aliança com a extrema-direita, que aliás é um braço laranja que se destacou, mas cujo futuro só depende de influenciar o seu antigo partido. Não tem sido difícil, já há gente do PSD a gritar que quer exterminar o Bloco. A força da esquerda gera do outro lado adversários raivosos, o nosso povo já conhece bem este filme”, acusou Catarina Martins, que promete um Bloco que “será a barreira contra a direita e a extrema-direita”.
Já o Governo e o PS, que tinham estado no discurso de abertura, foram mais poupados neste discurso de encerramento, em que a líder do Bloco como que mostrou como quer abrir a porta que acusa os socialistas de terem fechado. E a chave é voltar às “medidas estruturantes” que o Bloco apresentou ao Governo para o Orçamento de 2021 e Catarina Martins lembrou: “carreiras profissionais para um SNS sólido por muitas décadas, retirar as leis vingativas da troika contra o trabalho, construir um sistema de proteção social que não deixe ninguém de fora, e que não condene quem está mais vulnerável a uma vida bem abaixo do limiar de pobreza, e impedir a captura dos dinheiros públicos pela irresponsabilidade financeira”.
E continuou: “O governo recusou todos esses compromissos. (…) Pelo nosso lado, mantivemos a força e determinámos as disputas fundamentais destes dias”.
Catarina Martins deixou para o fim do seu discurso o que foi pouco mais que uma referência às eleições autárquicas, um combate eleitoral geralmente difícil para o Bloco. A líder bloquista deu o exemplo do que foi possível fazer em Lisboa onde os 7 por cento que o BE teve em 2017 lhe permitiram fazer uma aliança com o PS, da qual fez um balanço muito positivo.
“É difícil o combate autárquico? (…) Difícil, mas estamos a fazer; nós já mudámos a política autárquica”, afirmou Catarina Martins, enunciado “novos patamares de exigência” para os próximos mandatos autárquicos: “Se há uns anos lutámos quase sozinhos contra a privatização da água em tantos concelhos, hoje todos reconhecem o erro e a exigência é a tarifa social da água. Se o recurso aos contratos emprego inserção foi a solução das autarquias para quase tudo, hoje a exigência tem de ser a vinculação de precários. Se ouvimos dizer que o interior seria terra sem esperança e perdida no passado, hoje sabemos que já marcha pelos direitos.”