O tio de Ricardo Salgado, António Luís Ricciardi, garantiu em 2015 que o ex-banqueiro era o único que sabia da falsificação das contas do Grupo Espírito Santo (GES) e que só soube do buraco no BES menos de um ano antes da sua resolução.
O terceiro dia de julgamento do Caso BES/GES, no Campus da Justiça, começa com a audição da primeira testemunha do caso, líder da família Espírito Santo e do Conselho Superior do GES até 2008.
No início da reprodução do depoimento dado ao procurador José Ranito, a 2 de outubro de 2015, António Ricciardi afirmou que só soube o que tinha acontecido às contas do BES numa reunião em novembro de 2013, quando surgiu um buraco nas contas de mais de mil milhões de euros. “Aí perdi toda a confiança absoluta em Ricardo Salgado”, disse.
Na altura, o “comandante” Ricciardi - como era conhecido - já estava fora da administração do banco há cinco anos (havia reformado-se com 89 anos), deixando de ser executivo e passando apenas a assinar documentos como membro da administração de várias sociedades do GES. Viria a falecer em janeiro de 2022, com 102 anos.
Nas declarações, António Luís indicou que Ricardo Salgado era mesmo “o único que sabia de tudo”.
“Não quer dizer que Manuel Fernando [Espírito Santo, primo de Ricardo Salgado] não tratasse das suas coisas na Rioforte, mas não tomava decisão nenhuma ou não fazia nada em que o doutor Ricardo [Salgado] não estivesse de acordo”, indicou.
Segundo o antigo homem forte da família, não só Salgado estava à frente de tudo, como dava instruções a José Castella, ex-controller financeiro do Grupo Espírito Santo, para entregar documentos para que Ricciardi assinasse “de cruz”, sem participar na decisão: “Isto era comandado pelo Ricardo e nós assinávamos.”
Ricciardi fala ainda de uma conversa de que as contas estão falseadas em 2014, com o arguido no caso Francisco Machado da Cruz, na sua casa em Cascais, não sabendo precisar se aconteceu antes ou depois da resolução do banco. Então, o contabilista do GES mostrou preocupação de que não teria dinheiro para “tratar de advogados” e se “queixava de que tinha sido abandonado”.
O ex-administrador fala mesmo num “trabalho de maquilhagem” das contas, que aconteceu na Espírito Santo International (ESI) pelo menos seis anos antes da queda do banco: “A partir de 2008, essas contas estavam todas falseadas”, indicou, acrescentando que nessa altura já não tinha grande intervenção no grupo e que não achava que houvesse esse tipo de problemas no GES.
No entanto, quando questionado sobre o falseamento de contas, admitiu que não tinha base para as suas acusações e que Salgado nunca disse taxativamente que manipulava as contas do GES, mas sugeriu que existia um grupo que trabalhava diretamente com Salgado.
“Alguma vez Ricardo Salgado disse ‘eu manipulei as contas’?”, questionou o procurador José Ranito, com Ricciardi a dizer que “não”. “Mas havia uma intenção?”, insistiu o procurador. “Garantidamente, havia uma intenção” do tal “trabalho de maquilhagem”.
Segundo a acusação do Ministério Público, o antigo "chairman" do BES limitava-se a assinar os documentos que lhe apresentavam e que não acompanhou mais a atividade da ESI, a holding do GES para a área financeira e não financeira cujas contas foram manipuladas, ao encontrar-se em situação de insolvência desde 2009.