Carlos César e Santos Silva em divergência sobre reunião do PS com CEO da TAP
10-04-2023 - 18:46
 • Susana Madureira Martins

O presidente do PS e o presidente da Assembleia da República mostraram, esta segunda-feira, visões diferentes sobre a reunião de janeiro entre o PS, o Governo e a CEO da TAP antes de uma audição no Parlamento. Se Santos Silva garante que uma reunião do género "não se repetirá", Carlos César salienta que este tipo de encontros "sempre foi prática".

É raro, mas aconteceu e é claro como água. Dois socialistas de topo em rota de colisão num momento de alta tensão para o PS e para o Governo. O presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, veio esta segunda-feira garantir que a reunião de janeiro entre deputados do PS, o ministro João Galamba e a CEO da TAP é um episódio "que não se repetirá".

Augusto Santos Silva não vê mal em reuniões "periódicas" entre deputados e governantes, mas deixa de fora dessa equação personalidades de perfil mais técnico que estejam, por exemplo, à frente de empresas do setor empresarial do Estado.

Falando aos jornalistas em Tábua, no distrito de Coimbra, o presidente do Parlamento foi claro: protagonistas como a CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, "não devem participar em encontros de natureza mais política".

Ora, quase ao mesmo tempo, o presidente do PS escreveu numa publicação na rede social Facebook sobre o "embuste" de considerar que essas reuniões entre os grupos parlamentares, o Governo e as empresas públicas são "algo de inédito, como se não tivesse sempre acontecido com todos os partidos e não fosse mesmo tido como integrando o exercício informado da função parlamentar de cada".

Carlos César, um dos conselheiros mais próximos do primeiro-ministro, acrescenta que "sempre foi prática fazer essas reuniões informativas e ou preparatórias, com governantes, com gestores de empresas ou institutos públicos, ou simplesmente com outros organismos, associações, entidades e empresas privadas, líderes de opinião ou especialistas nas matérias em apreço".

A tal reunião entre o PS, o ministro João Galamba e a CEO da TAP realizou-se antes de uma audição da administradora da transportadora na comissão de Economia, antes ainda de a comissão de inquérito sequer ser aprovada.

César defende estas reuniões preparatórias, referindo que "nada tem a ver com segredos ou com existirem ou não maiorias absolutas, e muito menos com o Governo ser agora do PS. Acontecia, e muito naturalmente, com todos".

Com o PS debaixo de fogo da oposição, da esquerda à direita, César, que já foi líder parlamentar durante o primeiro Governo de António Costa, refere que "nas legislaturas anteriores foram inúmeras essas ocasiões em que isso ocorreu, inclusive com partidos como os agora na oposição à esquerda do PS".

E aqui o dirigente de topo do PS socorre-se mesmo do maior partido da oposição. "O mesmo aconteceu, evidentemente, com o PSD e outros. O antigo secretário-geral do PSD, José Ribau Esteves, atual presidente da Câmara Municipal de Aveiro, já testemunhou que assim acontecia, evidenciando a brutal hipocrisia de Montenegro".

César salienta ainda que há outro "embuste". O de que esta reunião "teria acontecido para condicionar o depoimento da CEO na Comissão de Inquérito". De facto, como diz o dirigente socialista essa reunião foi a 17 de janeiro, nas vésperas de uma audição parlamentar na comissão de Economia e não no inquérito que ainda não estava em funcionamento.

César e Marcelo de acordo. Email de Hugo Mendes é conduta "estúpida"

De acordo estão, entretanto, o presidente do PS e o Presidente da República no adjetivo encontrado para classificar o conteúdo dos mails trocados entre o então secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, e a CEO da TAP com o objetivo de alterar um voo de Moçambique para Portugal: é uma conduta "estúpida" por parte do ex-governante.

Trata-se de coisa "especialmente censurável", revela "uma conduta perniciosa e, digo mesmo, estúpida", conclui César, que acrescenta: "Como socialista, que acredita no Governo em funções e no seu desempenho mesmo nas condições difíceis com que se tem confrontado, já que o membro do governo já não o é, ou seja, que não é possível ele se demitir ou demiti-lo agora, só resta pedir desculpas ao Presidente e às pessoas em geral".

Também Marcelo Rebelo de Sousa considerou esta segunda-feira em declarações aos jornalistas em Murça que "adiar o voo seria estúpido e egoísta" por parte de qualquer político. E o chefe de Estado reforçou a ideia: "Só um político muito estúpido é que ia sacrificar 200 pessoas para partir um dia mais cedo ou um dia mais tarde".

Nesta troca de galhardetes entre protagonistas políticos fica ainda um recado de César a Marcelo e os sucessivos avisos deste sobre o poder que tem de dissolver o Parlamento.

Num "post scriptum" à longa publicação no Facebook, o dirigente socialista salienta que "o PS obteve há pouco mais de um ano 41% dos votos expressos e sensivelmente o mesmo número de votos do atual Presidente da República que, a esse respeito, foi claro na tomada de posse do governo".

Aos que, como o conselheiro de Estado e ex-líder do PSD Luís Marques Mendes, admitem a queda do Governo e a dissolução do Parlamento, César atira uma questão: "Não há quem os lembre que os resultados desta governação com apoio parlamentar devem ser avaliados pelo povo no tempo próprio do termo da legislatura?"

E fica ainda outra pergunta do dirigente socialista: "Não há quem reconheça que só se conhecem e debatem casos que suscitam dúvidas ou críticas porque as instituições estão a funcionar regularmente e a democracia no seu adequado exercício?".

Com uma no cravo e outra na ferradura, César termina a publicação a salientar a atual situação económica interna e externa: "Acresce que vivemos um período especialmente sensível nos planos nacional, europeu e internacional, quer nos perigos quer nos desafios. O que importa, por isso, como reconheceu e aflorou o Presidente da República, é o bom governo de Portugal e que as oposições também sejam bem melhores do que são".

Marcelo, contudo, ainda esta segunda-feira não descartou a hipótese de vir a dissolver o Parlamento no futuro . Disse apenas que tendo em conta o atual "ambiente, não faz sentido falar periodicamente em dissolução", avisando também que "não está no bolso" nem da oposição nem do Governo.