A líder do PAN, Inês Sousa Real, reúne-se na próxima semana com o primeiro-ministro, António Costa, para o arranque das negociações do Orçamento do Estado para 2022 e revela, em entrevista à Renascença, o caderno de encargos do partido Pessoas Animais e Natureza (PAN), que inclui a renegociação dos contratos do Novo Banco, o aumento do Rendimento Social de Inserção ou o fim das parcerias público-privadas no setor rodoviário.
A porta-voz do partido avisa o Governo que é preciso "ir mais além" na execução orçamental das medidas que foram acordadas e faz depender disso as negociações do próximo Orçamento.
Quanto ao futuro, Inês Sousa Real diz-se convicta que "chegará o tempo de o PAN ser chamado a ser Governo".
Susana Madureira Martins
Quando é que arrancam as negociações com o Governo sobre o Orçamento do Estado (OE) de 2022?
Será para começar na próxima semana, no entanto, sobre a execução orçamental de 2021 já tivemos reuniões com o Governo para fazermos um balanço das medidas. Até aqui, tem ficado um pouco aquém do que era desejável nesta altura do ano. Cerca de 30% das nossas medidas [acordadas com o Governo] estão executadas, mas ainda é muito curto para aquilo que tem de ser o compromisso do Governo em cumprir não apenas com as medidas que constam da negociação feita durante os trabalhos do Orçamento do Estado para este ano, mas também das demais que foram aprovadas pela Assembleia da República.
Na próxima semana, vamos reunir também com o Governo, nomeadamente com o senhor primeiro-ministro e, internamente, o PAN está já a trabalhar e vai convocar a sua Comissão Política Nacional para podermos debater aquelas que são as nossas prioridades para o OE de 2022, tendo presente que este não é um orçamento qualquer, é fundamental para lançar as bases da recuperação económica e social do país.
Quer antecipar uma ou duas propostas do PAN que sejam verdadeiramente estratégicas e que vai levar a essas reuniões com o Governo?
Desde logo, há aqui algumas linhas vermelhas que não podemos deixar de referir. Tem de haver uma renegociação dos contratos do Novo Banco, não podemos continuar a ter um buraco sem fundo naquele que foi um dos maiores crimes de colarinho branco do nosso país, o dinheiro existe, tendo em conta não só os fundos comunitários, mas também as verbas provenientes do OE e é fundamental que elas sirvam para ajudar as pessoas que estão, neste momento, a passar por extrema dificuldade.
Também ao nível dos subsídios perversos, por exemplo, para a aviação e para a navegação que continuam a beneficiar de borlas fiscais incompreensíveis. Para o PAN, é fundamental que se ponha fim a essas isenções, a par de outras borlas fiscais, por exemplo, para as parcerias público-privadas rodoviárias.
Por outro lado, o investimento terá de passar por revisitar os valores do RSI [Rendimento Social de Inserção], porque não podemos entrar numa nova rota de pobreza e empobrecimento do país.
Um aumento de RSI em quanto, já está pensado?
Nós estamos a trabalhar, precisamente, para perceber qual será o valor razoável para propormos. Ou seja, é uma medida que já no ano anterior tínhamos proposto, mas o contexto económico é completamente diferente e estamos internamente a trabalhar nesse dossiê.
Por outro lado, queremos que haja mais empreendedorismo verde e, para isso, é preciso que haja mais investimento na gestão florestal e nos serviços dos ecossistemas, porque temos de fazer a dita transição ecológica.
Em relação à banca, o PAN nas negociações com o Governo vai fazer da renegociação dos contratos do Novo Banco um cavalo de batalha? Sem isso não temos Orçamento votado pelo PAN?
O PAN defende que tem de haver uma renegociação dos contratos, não nos faz qualquer sentido e compreendemos que Portugal tem um compromisso e não pode entrar em incumprimento, mas defendemos que, tendo em conta a má gestão do Novo Banco, é completamente fazível que o Governo renegoceie o contrato e, portanto, não nos faz sentido estar a alimentar este bolo sem fundo.
Essa é uma das propostas que retomaremos neste OE, sem dúvida absolutamente nenhuma, a par de outras matérias, como o combate à corrupção que só se combate com meios e precisamos de uma reforma estrutural na justiça. O país perde todos os anos 18 mil milhões de euros para a corrupção.
Do que depender do PAN o país não ficará a viver em duodécimos?
Ainda é precoce para fazermos essa avaliação. Ainda não sabemos quais são as linhas gerais do Governo para este Orçamento, também não sabemos até que ponto é que estará disponível para ir ao encontro das reivindicações de partidos como o PAN, não apenas nestas matérias, mas também em matérias que nos são muito caras, como a proteção animal e a proteção ambiental, mas teremos de ouvir as linhas gerais do Governo.
Não poderá ser mais do mesmo. Neste momento, está tudo em aberto, até porque a negociação do Orçamento vai depender, de facto, da calendarização da execução das medidas de 2021, porque não podemos continuar a viver de promessas e a ter medidas aprovadas e que depois não são executadas.
O Governo diz que uma parte significativa do OE2021 já está executada e que o balanço é positivo. Para o PAN, a não execução orçamental praticamente na totalidade é um grão na engrenagem nas negociações do próximo OE?
Sem dúvida. Há medidas que estão a ser executadas e algumas até bastante positivas. Por exemplo, a taxa de carbono para a navegação e aviação, que foi uma das conquistas do PAN neste último OE, está neste momento a financiar os passes intermodais ou a tarifa social de energia alargadas a mais de 100 mil famílias é um exemplo, mas temos de ir mais além.
Temos neste momento o programa “Housing First” para combate à pobreza e tirar da rua as pessoas em situação de sem-abrigo e estamos com metade da sua execução. Só cobriu até agora 398 pessoas e o prometido foi tirar 600 pessoas da rua, tem de haver aqui uma meta ambiciosa, porque sabemos que os números já aumentaram.
E também, em matéria de proteção animal, o Governo ficou muito aquém, os despachos ainda não foram emitidos para os 10 milhões de euros para os centros de recolha oficial e para a campanha de esterilização nacional.
Esperamos ainda fechar até ao final da sessão legislativa algumas medidas que ficaram também consensualizadas com o Governo nas negociações do OE como, por exemplo, o desperdício alimentar.
O Tribunal Constitucional deu razão ao Governo em relação aos apoios sociais que o Parlamento aprovou. Teme que a partir daqui a lei-travão seja um entrave às propostas das oposições?
Não podemos deixar de lamentar que o Governo tenha enviado para fiscalização sucessiva da constitucionalidade estas medidas aprovadas pelo Parlamento, porque sem dúvida absolutamente nenhuma que estes apoios sociais foram imprescindíveis para evitar termos uma hecatombe ainda maior do ponto de vista socio-económico.
Hoje reconhecemos a bondade e a mais elementar justiça destas medidas e o Governo quis aqui armar um braço de ferro com o Parlamento, em nosso entender mal, porque, efetivamente, a lei-travão não se deve sobrepor àquilo que são direitos fundamentais, nomeadamente, o combate à pobreza num contexto tão complexo como o do estado de emergência.
Tem de haver aqui uma flexibilidade e há aqui formas de corrigir essa mesma necessidade do ponto de vista orçamental, nomeadamente através de orçamentos rectificativos. Se o fizemos o ano passado, ao invés de ser enviado para fiscalização sucessiva, o governo devia ter trazido um Orçamento Retificativo se achava que havia aqui um impacto financeiro que poderia por em causa questões de constitucionalidade.
No discurso de encerramento do congresso, em junho, declarou que o PAN concorre para ser Governo. Quer o quê, ser primeira-ministra ou integrar um Governo do PS ou do PSD?
O PAN, tal como qualquer força política, concorre para ser Governo. Temos de ter consciência da responsabilidade que temos do ponto de vista daquele que é o xadrez político-partidário. O PAN, tal como as outras forças ambientalistas na Europa, é um partido que está a crescer, temos vindo a consolidar-nos na vida política interna do país, quer a nível das autarquias locais, quer das assembleias regionais, agora mais recentemente com a eleição de um deputado para a Assembleia Regional dos Açores.
Passámos de um deputado para um grupo parlamentar na Assembleia da República e tendo consciência daquilo que é o crescimento das forças verdes não só na Europa, mas também no nosso país, temos de estar preparados para se de hoje para amanhã os portugueses decidirem dar-nos um voto de confiança e termos a responsabilidade de sermos governo, assim o faremos.
Há muitos desafios que vamos ter pela frente do ponto de vista democrático, seja pelo crescimento de forças populistas, seja pelo facto de qualquer partido tem de estar preparado caso os portugueses nos deem esse voto de confiança.
É indiferente haver um entendimento do PAN com o PSD ou com o PS?
Depende do PSD e do PS que, a seu tempo, exista. Não podemos esquecer que o “Bloco Central” tem tido um contraciclo em relação à própria democracia e tem lidado muito mal com a emergência dos pequenos partidos e de novas forças políticas.
O PAN já deixou bem claro quais são as suas linhas vermelhas. Não estaremos disponíveis para negociar, por exemplo, com forças políticas antidemocráticas, como o Chega, que não têm respeito pela democracia e pelos direitos fundamentais mais basilares. Também à esquerda temos partidos da extrema-esquerda com os quais também não nos identificamos. Só a dinâmica parlamentar no futuro poderá dizer qual será a posição do PAN relativamente a poder ou não integrar um Governo. Aquilo que temos consciência é que chegará o tempo de o PAN ser chamado a ser Governo e temos de estar preparados para quando isso acontecer.
Acredita que o PAN pode sair reforçado nas próximas eleições legislativas? Qual é a fasquia? Mais um, dois deputados?
Trabalharemos não só para mantermos, mas aumentarmos a nossa representação parlamentar. Não podemos esquecer que estamos a concorrer com outras forças políticas, há uma maior pluralidade do ponto de vista democrático, há diferentes forças políticas no nosso panorama parlamentar e as condições em que estamos a concorrer não são as mesmas de quando iniciámos este mandato.
Não obstante esta realidade, temos a plena consciência que as pessoas cada vez mais procuram respostas diferentes. Não só desta dicotomia esquerda-direita, mas também da velha forma de fazer política, com as quais não se têm identificado. Há um grande distanciamento das pessoas da vida política, há um grande descrédito da vida política e é por isso que o PAN se tem apresentado sempre como uma força política diferenciadora.
Como prevê que seja o resto da legislatura, após as autárquicas?
Não estamos num contexto qualquer, os próximos anos vão ser fundamentais para garantir que na próxima década o país recupera daquilo que foi a perda de rendimentos, mas também que façamos a transição da crise climática, estamos a nove anos do ponto de não retorno.
Não sendo uma legislatura qualquer, temos a consciência que todas forças políticas, sem exceção, têm de ter um objetivo comum, que é trabalharmos para dar as respostas que o país precisa neste momento. Aquilo que não precisamos é - e seria fácil entrarmos num discurso populista de fazer oposição por mera oposição - adicionar à crise socioeconómica crises políticas. Seria uma profunda irresponsabilidade da parte de todos nós.
Isso não significa que Governo tenha uma carta branca para fazer aquilo que deseja, muito pelo contrário, tem a elevada responsabilidade de ouvir as restantes forças da oposição. Questões como as que já aconteceram nesta legislatura de violações grosseiras de direitos humanos como a do cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, que é uma mancha para aquilo que são os direitos humanos em Portugal, ou o “Rússiagate”, em que têm de ser retiradas consequências políticas, estão em contraciclo com os direitos humanos.