Foi a partir de uma reportagem da jornalista Joana Pereira Bastos, do semanário Expresso, que nasceu a ideia para esta peça que agora chega ao palco da Culturgest, em Lisboa.
“A Colónia” que o encenador Marco Martins leva à cena conta a história de um grupo de 18 crianças, de 3 a 14 anos, que nos verões de 1972 e 1973 passaram duas semanas numa colónia de férias nas Caldas da Rainha, “criada pela Comissão de apoio aos presos políticos”.
Em comum estas crianças tinham o facto de serem filhas de presos políticos e devido à vontade da “Amnistia Internacional e de um grupo de católicos progressistas”, explica Marco Martins, tiveram uma experiência de liberdade.
“Muitas delas viveram em clandestinidade e, outras, em situações muito difíceis”, destaca o encenador que conta que estas crianças que “hoje têm cerca de 60 anos”, “viveram num grande isolamento”.
“Durante 15 dias conheceram outra forma de viver”, explica Marco Martins a quem interessou explorar estes testemunhos. “Havia crianças, como a Manuela Canais Rocha, que é a personagem central da peça, que raramente saíam de casa ou tinham contacto com outras crianças”.
Para muitos deles, o momento da vivência na Colónia foi “aquele momento de encontro com crianças que partilhavam com elas as mesmas histórias e o mesmo passado. É um momento de identificação muito forte e, simultaneamente, um momento de liberdade”.
Em cena até 14 de dezembro, a peça parte de testemunhos reais e integra também a experiência dos que viveram em clandestinidade. Em palco vão estar Conceição Matos e o marido, Domingos Abrantes, dois conhecidos lutadores antifascistas.
“O Domingos Abrantes e a Conceição Matos falam um pouco sobre o que é a vida na clandestinidade”, explica Marco Martins, ao Ensaio Geral da Renascença, acrescentando que também terá o testemunho de “uma das professoras daquela colónia de férias, que era muito jovem, tinha 22 anos, e que tinha uma certa inocência”.
“Algumas destas crianças tinham estado presas com os pais. Enquanto, por exemplo, o pai era torturado, elas estavam presas com a mãe. Portanto, são histórias de grande violência e esta professora, durante o tempo que teve na Colónia, escreveu um diário com as suas impressões”, refere Marco Martins.
O espetáculo conta com música de B Fachada e João Pimenta Gomes, com a participação do Coro Infantil e Juvenil Lisboa Cantat e do Conservatório Do Vale Do Sousa.
Marco Martins, explica que a dimensão musical é essencial para a narrativa. “Cantava-se muito na praia, e à noite, e cantavam-se as canções proibidas. No espetáculo há uma participação do B Fachada que canta juntamente com um coro juvenil, algumas das músicas que foram importantes para essas crianças”, explica o encenador.
A Colónia é uma peça integrada na celebração dos 50 anos do 25 de Abril e por isso, Marco Martins quer que não seja apenas uma obra sobre o passado, mas que olha também para o presente e futuro.
“Convoco para o palco um grupo de jovens estudantes de vários liceus de Lisboa que funciona, um pouco, como testemunhas. Também têm essa responsabilidade de continuar a carregar as histórias destas pessoas. Depois há um grupo de atores que funciona um pouco como narradores desta história”, diz Marco Martins.
O encenador confessa: “Gostava muito que esta fosse uma peça que falasse para os jovens, ou seja, para as pessoas que nasceram a seguir ao 25 de Abril [de 1974] e que funcionasse como uma aproximação a esse tempo, e eles conseguissem reconhecer naquelas histórias alguns acontecimentos que, infelizmente, na verdade, se começam a repetir. É sobretudo esta ideia, da extrema-direita e de um país que se fecha ao exterior a outras mentalidades”.
Depois da Culturgest, a peça “A Colónia” seguirá para o Porto, para o Teatro Nacional São João, entre os dias 23 e 26 de janeiro de 2025.