Depois de ter estado em Moçambique em 2018, o fotógrafo Luís Godinho regressou em julho deste ano à zona de Cabo Delgado e deparou-se com um cenário que não conseguia imaginar. Onde antes havia mato, agora havia uma floresta de gente. “Estavam convertidos em centros de refugiados de dimensões que não conseguia imaginar”, conta o fotógrafo cujas imagens estão agora reunidas numa exposição no Museu Nacional dos Coches.
“Escola no Caminho Longo” é uma mostra que dá a conhecer o percurso e os relatos da fuga de 20 crianças deslocadas de Cabo Delgado. Luís Godinho conta que algumas delas “andaram 100, 200, 400, 600, 900 quilómetros”. São “pessoas que ficaram sem nada”, explica o fotógrafo que assina esta exposição com a escritora Maria João Venâncio, autora dos textos que complementam as imagens.
“Perderam tudo, tudo foi roubado, queimado, tiveram que fugir com o pouco que tinham”, conta Luís Godinho sobre os relatos que ouviram dos que escaparam aos ataques terroristas naquela zona Norte de Moçambique.
Na exposição que agora chega a Lisboa pela mão da organização não-governamental para o desenvolvimento (ONGD) Helpo, as imagens destas crianças são mostradas em painéis de tamanho real.
No terreno, a Helpo tem vindo a promover o acesso das crianças ao ensino. Na exposição, surgem histórias como as de Calton (13 anos), Muassite (12 anos) e de Tomás (19 anos), cujo pai encontrou moribundo com três balas cravadas.
A mostra tem o alto patrocínio do Presidente da República.
“É incrível ver o trabalho que a Helpo desenvolve com essas crianças deslocadas”
São muitas as histórias dos que, para fugir à violência, “ficaram meses no mato, escondidos, a comer o que havia – raízes – e foram andando até ficarem em campos de deslocados”, conta Luís Godinho em entrevista à Renascença, destacando histórias “impactantes”.
Natural da Ilha Terceira, nos Açores, este fotógrafo freelancer explica que muitas das crianças deslocadas “quiseram procurar a escola como refúgio”. Luís Godinho indica que a ONGD Helpo teve um papel fundamental em ajudá-las a reencontrar-se com o ensino.
“Nessas zonas de onde as crianças fugiram, já estavam identificadas e eram apadrinhadas”, explica o fotógrafo, acrescentando que, “quando perceberam que as crianças já não estavam nesses locais, foi preciso procurá-las e pô-las a estudar, a continuar a estudar”. “É incrível ver o trabalho que a Helpo desenvolve com essas crianças deslocadas”, refere o fotógrafo.
Este profissional que já trabalha há alguns anos com as questões dos direitos humanos explica que seguiu uma linha de trabalho “de forma a que se pusesse estas crianças o mais próximo do título do projeto: ‘A escola do Caminho longo'. E percebe-se que há uma mágoa, rancor e sofrimento na cara de alguns”.
Luís Godinho confessa que encontrou em Moçambique a mesma “resiliência” que identifica na maneira de ser dos seus conterrâneos açorianos. “A resiliência deles é incrível e começa nas crianças. A maturidade deles é bastante evoluída, porque são pessoas muito sofredoras. Crianças de 6, 7, 10 anos já passaram por muito. São o rosto da desgraça e do sofrimento por que passam”, conclui.