Tem sempre a mala feita com um colete à prova de bala, esteve em vários cenários de guerra e de crise por todo o mundo e escreveu um livro sobre Malala. Em entrevista à Renascença, a jornalista britânica Christina Lamb fala disso tudo e também da história de outra rapariga forte: uma refugiada síria que chegou à Europa em cadeira de rodas e quer ser astronauta.
Christina Lamb conta que tem uma mala sempre pronta junto à porta de casa se for chamada em reportagem para qualquer parte do mundo. A mala de repórter tem um colete à prova de bala, capacete, botas, caderno de notas, um canivete, um saco-cama, entre outras ferramentas de sobrevivência e trabalho.
Esteve recente no Zimbabué para tentar perceber o que mudou após a queda de Robert Mugabe. “As pessoas agora não têm medo de falar depois de tantos anos de ditadura”, mas a crise económica continua a ser muito grave e as pessoas não têm dinheiro. Compara o Zimbabué a um “autocarro com um condutor diferente”.
O problema das guerras “é o dia seguinte”
As guerras hoje em dia são mais contra as ideias e ideologias e envolvem grupos que não respeitam fronteiras, como os terroristas do autoproclamado Estado Islâmico. Os exércitos regulares “estão no passado”, não estão preparados para este tipo de conflitos, sublinha.
Christina Lamb considera, no entanto, que o problema é mais político do que militar.
“Em todas as guerras em que estive nos 10 ou 15 últimos anos - Afeganistão, Iraque, Síria - os países ocidentais conseguiram derrubar facilmente os regimes militares ou terroristas, porque os nossos exércitos têm poder militar aéreo muito superior. O problema não é o lado militar. O problema é o dia seguinte. Eu fico muito zangada e triste. Em todos esses casos nós derrubámos os regimes, mas não conseguimos instaurar governos representativos e interessados no bem-estar do povo. Sem isso as pessoas ficam muito irritadas e vulneráveis à ideologia dos grupos extremistas”, refere a jornalista.
Dá o exemplo da cidade iraquiana de Mossul, que foi reconquistada ao Estado Islâmico, mas continua em ruínas, porque o Governo de Bagdad não faz o suficiente na reconstrução e as pessoas estão fartas e “zangadas” por continuarem a viver em campos de deslocados e não poderem regressar a casa.
Malala, a rapariga que os talibãs tentaram matar, “gosta muito de dançar e de Justin Bieber”
Christina Lamb escreveu um livro com a Nobel da Paz Malala Yousafzai sobre a história da jovem paquistanesa que sobreviveu a um ataque de extremistas islâmicos e que se tornou numa ativista da educação das crianças.
Em entrevista à Renascença, a jornalista revela o lado privado de Malala que ainda não foi contado.
“Uma das coisas melhores de escrever esse livro com a Malala foi conhecer a Malala ‘privada’. Ela é uma pessoa muito simpática, gosta muito de dançar, ouvir música, gosta de Justin Bieber, gosta muito de ténis e de Roger Federer. Ela agora está a estudar em Oxford, foi tomar chá com ela no mês passado. Ela está a gostar muito, porque lá pode ser uma estudante normal.”
Malala é uma ativista da educação das crianças e um símbolo. Christina Lamb acredita que a jovem paquistanesa pode, no futuro, seguir uma carreira na política para continuar a mudar o mundo.
Uma menina fantástica e o desastre do “Brexit”
A repórter casada com um português fala ainda do seu mais recente livro “Nujeen”, que conta a história real de uma rapariga síria que fugiu para a Europa em cadeira de rodas, empurrada por uma irmã ao longo de 6.600 quilómetros.
“A Nujeen é uma menina fantástica. Em 2015, segui toda a rota dos refugiados. Nessa crise vimos o melhor e o pior da Humanidade. O melhor foram os voluntários e as pessoas que deram comida e abrigo aos refugiados, e o pior foram os governos, especialmente o húngaro que construiu um muro de quatro metros”, conta Christina Lamb.
Foi então que encontrou Nujeen, uma menina síria que não podia andar, fazia-se transportar em cadeira de rodas, mas que queria ser astronauta. E decidiu contar a sua história.
Nesta entrevista à Renascença, a jornalista agraciada pela rainha de Inglaterra com a Ordem do Império Britânico critica a saída do Reino Unido da União Europeia (UE).
“Estou muito triste. Hoje em dia, não reconheço o meu país. Pensava que era um país bom, com pessoas com muita empatia e compaixão, Londres é uma cidade multicultural. A decisão de sair da UE é muito má do ponto de vista económico, vamos perder muitos empregos. As pessoas não pensaram também muito no facto de que a União Europeia permitiu a época de paz mais longa na história da Europa”, conclui Christina Lamb.