"Quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto". O ditado faz justiça a quem conta contos ou histórias, porque, geralmente, os contadores não se limitam ao que está escrito. Não distorcem a história, mas contam-na à sua maneira. São poucos em Portugal.
Patrícia Amaral é contadora profissional de histórias desde 2001 e confessa que, raramente, pega nos livros.
“Isto não exige memorização, senão seria teatro, um monólogo”, explica Patrícia, para quem os contos tradicionais ressoam “de uma forma muito estranha, muito mística.” É que, “só preciso de ouvir, há contos que ficam para sempre” na memória, garante.
Então, como se prepara mentalmente? “Penso nas histórias que vou contar, no alinhamento em si, que é sempre muito flexível, pois depende sempre da plateia. Depois vejo nos olhos das pessoas se estão interessadas”.
Patrícia é formada em Estudos Portugueses, pela Universidade do Algarve, e foi a cadeira de Literatura Oral que a levou a apaixonar-se pelos contos tradicionais. Durante o curso trabalhou, cerca de ano e meio, a transcrever contos para o centro de investigação de estudos tradicionais da Universidade.
Da recolha desse património ao conto de histórias em sessões públicas, foi um passo curto.
Para ajudar a projetar a voz, tirou um curso de teatro, área em que também trabalha.
Os contos ajudam a lidar com os medos
“Todos os contos veiculam não só a explicação do mundo, mas uma série de valores, a questão da transição para a idade adulta, o casamento, a morte. Os contos trabalham tudo isto de uma forma muito lúdica”, afiança.
Também Jorge Serafim, contador de histórias, diz que “os contos têm esta dualidade do bem e o mal, a avareza e a humildade, e são formas de nos ensinar a lidar com os nossos medos”.
Por outro lado, há os benefícios cognitivos. “Quando se conta um conto uma criança, percebe-se que há uma relação entre personagens, que há um espaço, que há um tempo, que há um princípio, meio e fim.”
Um incentivo à leitura
Contar histórias pode ser um ótimo incentivo à leitura, dizem educadores e professores.
Jorge Serafim explica que uma sessão de contos pode ser o “início do contacto com a palavra escrita e com a literatura”.
Por isso, muitas vezes, no final de uma sessão de histórias no Jardim da Isabel, na vila da Batalha, as crianças pedem para ver mais livros. Neste infantário, como em muitos outros, o conto de histórias é uma atividade recorrente das educadoras, diz à Renascença Sónia Costa.
Contudo, trazer à instituição contadores profissionais é diferente e marcante, porque “cada contador tem o seu traço, a sua personalidade enquanto contador”, defende a educadora.
O agrupamento de escolas da Caranguejeira/Santa Catarina da Serra, no concelho de Leiria, decidiu este ano, pela primeira vez, proporcionar uma sessão de conto de histórias aos alunos do 9.º ano, a convite do grupo de teatro "O Nariz".
Susana Franco, da coordenação do agrupamento, considera tratar-se de “um bom incentivo à leitura”, pois cria nos jovens a “curiosidade de pesquisar”.
Na cidade de Leiria, sempre que O Nariz – Teatro de Grupo – realiza uma sessão pública de conto de histórias, a sala enche-se, não só de crianças, mas também de adultos.
Além dessas sessões, todos os anos, realiza um festival internacional que leva contadores de histórias às escolas dos distritos de Leiria e Santarém.
Portugal tem poucos contadores de histórias
Em Portugal, os contadores de histórias não ultrapassarão as três dezenas e não fazem desta a sua única atividade profissional, pois, financeiramente, ela não chega para garantir a sua sustentabilidade.
São pessoas ligadas, sobretudo, ao teatro, às bibliotecas e à literatura, até porque a atividade requer “muita leitura a nível geral”, considera Patrícia Amaral.
Por outro lado, é preciso “muita imaginação, muita observação do mundo e essa capacidade de deixar o inconsciente expressar-se”.
Além disso, tem de se ter competências ao nível da oralidade, como boa dicção e projeção de voz.
“Há muitas escolas a nível nacional e há quem ache que vai para uma escola, para uma formação e que sai dali formado e formatado”, mas não, alerta Jorge Serafim.
“O caminho de cada um é individual”, por isso, o conselho que o contador dá a quem quer seguir esta profissão é: “contem, recontem, e voltem a contar e a recontar”.