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Três anos após o trágico incêndio de Pedrógão Grande, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, faz um balanço e aponta o dedo à lentidão da justiça e à falta de desenvolvimento social e económico.
Marcelo Rebelo de Sousa falava aos jornalistas em Figueiró dos Vinhos, no final de uma celebração religiosa de homenagem às vítimas dos incêndios de junho de 2017.
"Há aspetos que muitas vezes motivam os reparos. E o primeiro é a lentidão da justiça. A justiça tem o seu tempo e há aspetos que têm sido levados a investigação, isso tem demorado muito tempo, e temos noção que esse tempo, às vezes, é muito longo para a vida das pessoas e para a vida das populações", lamenta o Presidente da República.
Questionado se os autarcas envolvidos em processos judiciais deviam sair de cena, Marcelo Rebelo de Sousa não comenta casos concretos, mas reforça que "o facto de serem processos longos, de alguma maneira acabam por criar algum compasso de espera que não facilita, que não é propicio a uma mobilização de esforços. Mas a justiça tem o seu tempo, não é possível a ir mais longe nesta intervenção sobre justiça".
"O que interessa é dizer que há tempos que são longos, há realidades em que a resposta foi mais rápida e outras em que foi mais longa e ser mais longa dificulta o desenvolvimento económico e social", diagnostica o chefe de Estado três anos depois dos incêndios que provocaram a morte a 66 pessoas.
Sem desenvolvimento económico é mais difícil
Marcelo Rebelo de Sousa apontou outro entrave à recuperação da região de Pedrógão Grande, a falta de desenvolvimento social e económico.
"Temos a noção que a reforma da floresta é uma questão longa por razões culturais, económicas, sociais e demográficas. E mais difícil em áreas mais pobres e envelhecidas, porque exigem meios para ser posta no terreno que são exigentes e complicados", declarou o Presidente da República.
Para o chefe de Estado, "a única maneira de combater e prevenir certos problemas é o desenvolvimento social e económico das regiões e esse desenvolvimento fica muitas vezes aquém do que desejaríamos. Agora com a pandemia conhece uma paragem, um compasso de espera, mas mesmo antes temos a noção de que todos desejaríamos que fosse mais rápido".
Sobre os alertas do Observatório Técnico Independente, de que Portugal pode não estar preparado para novos incêndios de grandes dimensões como Pedrógão Grande, o Presidente da República fala num "desafio constante".
"Por muito que vamos reformando a floresta, que é um processo lento, se não houver desenvolvimento económico e social, se não houver estruturas estáveis que permitam prevenir. Se não houver uma população com dinamismo e que permita a criação de estruturas que não são só de proteção específica, é toda a envolvente todo o contexto, esse desafio continua presente na nossa vida, é um desafio constante, que não deixa de estar presente na cabeça dos responsáveis", sublinha Marcelo Rebelo de Sousa.
Questionado se a oportunidade foi perdida para mudar em Pedrógão Grande, Marcelo Rebelo de Sousa defende que houve uma "reflexão profunda, debate no Parlamento, houve mudança da lei, medidas tomadas, o problema é o terreno".
"O terreno é feito de pessoas de carne e osso, com realidades económicas e sociais, pessoas e famílias sem meios para agir em muitos casos. Os condicionamentos económicos e sociais que acabaram por tornar difíceis a aplicação dessas medidas, tudo tem a ver com um problema que eu disse do desenvolvimento económico e social. Onde há desenvolvimento económico e social é mais fácil haver com mais rapidez resposta no ordenamento do território", reforçou.
“Esperemos que a pandemia vá baixando de intensidade”
O programa oficial era Marcelo Rebelo de Sousa participar na cerimónia religiosa de homenagem às vítimas dos grandes fogos, em Figueiró dos Vinhos, mas o Presidente decidiu visitar também os outros concelhos afetados em 2017.
“Fiz isto de improviso. A ideia era só a cerimónia oficial, mas estou a percorrer aqueles locais que foram muito simbólicos e importantes há três anos na vida destes habitantes e de todos os portugueses”, afirmou aos jornalistas, agora em Castanheira de Pera, onde foi “dar um beijinho simbólico” à presidente da Câmara e visitar o bombeiro Rosinha, que ficou ferido no fogo, naquela altura.
A próxima paragem deverá ser Pedrógão Grande. “Vou passar por lá, que é onde está a sede da sede da Associação dos Familiares das Vítimas”, afirmou.
Marcelo Rebelo de Sousa espera que haja condições, neste ano, para que o combate aos fogos corra da melhor maneira. Desde logo, o facto de a pandemia de Covid-19 abrandar no país, para “libertar mais áreas da Proteção Civil, nomeadamente bombeiros”.
“O ideal é que não tenhamos duas frentes, como teríamos se ocorresse em plena pandemia. À medida que um vai baixado o tom, haja uma concentração no outro, se for necessária. Espero que este verão seja muito diferente do de 2017”, desejou.
No que diz respeito ao número de bombeiros disponíveis, o chefe de Estado admitiu que alguns decidiram abandonar a função por questões de idade. “Os bombeiros passaram à reserva e deixaram de estar ao serviço aqueles que, por razões de idade assim o entenderam”.
Mas, “para haver mais bombeiros, é importante que haja capacidade financeira”, sublinha também, considerando que, em teoria, esta parte é mais fácil do que encontrar bombeiros jovens. “Tem a ver com o envelhecimento da população nessas áreas. É preciso gente mais jovem e é preciso que se radique aqui”, apontou o Presidente.
A importância das aldeias resilientes
Mais bombeiros, condições meteorológicas favoráveis e mais meios aéreos, mas Marcelo Rebelo de Sousa está convencido de que o país aprendeu lições com os grandes fogos de 2017.
“Há mais meios aéreos, aprendeu-se nisso e nalguns aspetos da restruturação da Proteção Civil. Também se aprendeu na mobilização das populações e na compreensão daquilo que não pode ser o esquecimento em relação a algumas áreas do país”, afirmou.
E, no que toca à mobilização das populações, o Presidente enalteceu o papel das chamadas aldeias resilientes – expressão também utilizada pela Associação dos Familiares das Vítimas.
“Acho importante que as populações estejam mobilizadas, atentas, prevenidas e não seja apenas uma resposta dos bombeiros, da Proteção Civil ou dos autarcas, mas das populações como um todo”, defendeu.
Nestas suas declarações aos jornalistas, em Castanheira de Pera, Marcelo admitiu que a vegetação cresceu em alguns sítios e que “o ordenamento não tem sido fácil”.
“Mas temos lições do passado e vamos ver como elas se utilizam no futuro”, rematou.