Web Summit. “Um antídoto para a glamourização do pessimismo”
07-11-2016 - 22:35

Engenheiros “rock stars”, Bíblias, revoluções e até um “fail” tecnológico. Arrancou a Web Summit e Lisboa parece estar a gostar.

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Enquanto serpenteia através do trânsito até ao recinto da Web Summit, no Parque das Nações, o motorista de táxi diz que trabalha há 26 anos atrás do volante e gaba-se de um palmarés de que poucos colegas se podem orgulhar. Já conduziu em quatro concelhos, mas conta que voltou para Lisboa porque “é a capital e está sempre em festa”. “Quando não é o Web Summit é o Rock in Rio, há sempre festa”, ri.

O caminho para a antiga Expo faz-se tranquilamente pelo centro da cidade enquanto na 2ª circular há fila cerrada desdo o nó da Buraca. Já “in loco”, vêem-se proto-empreendedores por todo o lado, agarrados aos seus Macbooks e smartphones e com as suas pastas de pele a tiracolo.

Também há executivos de fato e miúdos de fato-de-treino; no fundo, o mundo da tecnologia é suficientemente vasto para incluir todo o tipo de pessoas e isso vê-se bem, por exemplo, no McDonald's do Parque das Nações. Desde uma rapariga muçulmana de véu a treinar um “pitch”, com a ajuda de um McFlurry, ao senhor bem-parecido a tomar um café enquanto espera calmamente o início do evento, é evidente porque por estes dias Portugal parece a capital do mundo (ou pelo menos de um certo mundo). Isto não é Silicone Valley, mas daqui, a olhar o Tejo ao pôr-do-sol, chega-se a acreditar que pode ser melhor ainda.

Na fila para a acreditação, a deputada Helena Roseta, ex-vereadora da Câmara de Lisboa, entra pelo gigante pórtico cor-de-rosa que indica o caminho até à troca do bilhete pela pulseira que dá acesso a todos os dias do evento. Sim, entre isto e o Super Rock, até agora, a única diferença são as roupas dos visitantes, porque o cenário está montado como um autêntico festival de rock. Ainda assim, apesar das milhares de pessoas, o processo é simples e a entrada no Meo Arena faz-se bem, ainda que com longas esperas para quem vem “à civil”.

Dentro do pavilhão, o impacto visual é indiscutível. Mares de gente, música a "bombar" das colunas invisíveis - invisíveis, porque só quem tem olho treinado consegue perceber de onde vem o som por trás das dezenas de cubos rosa, roxo e azul que se empoleiram em torno de dois enormes ecrâs. E quando parece que tudo vai atrasar, eis que o evento arranca no preciso minuto em que estava programado. 18h33: Bem-vindos ao Websummit 2016.

Paddy Cosgrave entra em palco ao som de um "riff" de guitarra aos berros e informa que é a primeira vez que a mulher não vem à Web Summit porque acaba de dar à luz o primeiro filho. Com essa saída arranca muitas palmas da plateia, mas também abre caminho ao primeiro "fail" da noite: uma tentativa de ir em directo para o Facebook a falhar. Mais tarde surgiu o esclarecimento: o wifi funcionava, mas houve um "problema técnico" no smartphone do empresário irlandês.

Mas está toda a gente com boa vontade e segue-se o institucional. O primeiro-ministro, António Costa, diz que quer que todos estes visitantes deixem Lisboa no final da semana lembrando o país como um local progressista e amigo do investimento. "You are always welcome. Bem-vindos a Lisboa", remata.


A “revolução silenciosa” de Durão Barroso

Já no primeiro painel, também com direito a uma entrada à “rockstar”, José Manuel Durão Barroso faz a apologia das sociedades abertas. “Se olharmos para o financiamento da economia digital, vemos que a Europa está a crescer exponencialmente. A Europa tem uma palavra muito forte a dizer.”

“Há uma revolução silenciosa entre os jovens. E há uma batalha existencial entre as forças que querem a abertura e as forças nacionalistas e chauvinistas”, declarou, entre as palmas da assistência. “As eleições norte-americanas vão definir muita coisa”, considerou o antigo presidente da Comissão Europeia. Questionado pelo moderador do painel, Tom Nuttall, jornalista do "The Economist", brinca que à medida que se vai distanciando do cargo, vai conseguindo ser cada vez mais sincero. E fala numa "glamourização do pessimismo" e numa tendência generalizada para se prever sempre o pior. O Brexit, diz, é o maior exemplo disto.


Chega a vez de falar Roberto Azevêdo, da Organização Mundial do Trabalho, que defende que as sociedades não se podem esquecer daqueles que estão "a ficar para trás"; as pessoas que perdem o seu emprego aos 40 ou 50 anos e que depois não sabem como voltar ao mercado de trabalho. E que isso exige uma resposta dos Governos, não mais proteccionismo. "Isso não vai resultar", garante. “Os novos empregos estão nas novas tecnologias, não podemos lutar contra isso. Temos de abraçar o futuro.”

Entre os jornalistas agrupados à direita do palco principal, o comentário não é bem recebido. O cepticismo vence o entusiasmo, mas vai ser, curiosamente, Durão Barroso a salvar a noite. O moderador Tom Nuttel considera que a visão optimista do antigo primeiro-ministro é “um forte antídoto à glamourização do pessimismo”.

Azevedo volta à carga, desta vez com maior sucesso: “Os políticos querem dar a resposta fácil. Mas é preciso reformar todo o sistema de educação, desde pequeninos que temos de pôr as pessoas a treinar”, afirma.

E das Nações Unidas vem a finalização. O presidente da Assembleia Geral da ONU, Mogens Lykketoft, diz, muito simplesmente, que são os cidadãos que devem “pressionar os políticos” e dizer-lhes: “Nós sabemos que vocês o sabem fazer, e queremos que o façam agora”.

Tempo ainda no painel para Durão Barroso deixar o alerta contra “as forças negras do nacionalismo” e os líderes políticos que estão “a renunciar ao seu poder a favor de forças políticas dos extremos”. Vai haver resistência, garante, mas “a globalização vai acontecer”. E seria “óptimo se os políticos a pudessem tornar mais humana”, mas vai acontecer na mesma. E está tudo nas mãos da sociedade civil, rematou, ao som dos aplausos.

Dos narcísicos online à Bíblia de Gutenberg, Levitt foi ensinar a missa ao padre

De seguida, uma cena "Hollywoodesca". Com o tempo cronometrado ao minuto, os telemóveis da audiência iluminam-se como estrelas para receber o actor Joseph Gordon-Levitt, conhecido da saga “Batman” e de filmes como “Inception”, e na Web Summit na qualidade de CEO da HiTRecord, uma plataforma colaborativa de produção de conteúdos entre criativos, artistas, músicos e escritores. Levitt confessa que quando lançou a plataforma nem sequer estava muito ocupado. Tinha feito uma pausa na representação para voltar a estudar e quando regressou não conseguia que ninguém lhe desse um papel. Com a ajuda do irmão, lançou o site e “devagarinho” começou a criar uma pequena comunidade.

“Aquilo que acontece online fica muito na onda do ‘olha eu, olhem para mim’... e nós somos mais do tipo de pessoas que querem trabalhar juntas. Queremos criar coisas acabadas. E quando fazemos dinheiro, devolvemos aos artistas.”

Vestido de fato preto mas com o apontamento de uma meias verde-alface a espreitar pela bainha das calças, Gordon-Levitt foi quase enternecedor na forma como falou do seu projecto e admitiu timidamente já ter angariado mais de dois milhões de dólares para os seus artistas, sabendo perfeitamente que estava a falar de “peanuts” para alguns membros da audiência.

Às perguntas de Laurie Segall, respondeu com uma citação: “Não faças filmes para fazer dinheiro, faz dinheiro para fazeres mais filmes”.

“Temos vindo a descobrir que as pessoas estão mais interessadas em fazer parte desta comunidade do que de outras… comunidades online… mais narcisistas”, riu-se. O actor depois expôs a sua teoria sobre o futuro cada vez mais “ligado”. Lembrou a prensa de Guttenberg e sublinhou que durante centenas de anos depois da sua invenção só se imprimiu a Bíblia, mas que isso abriu caminho para o progresso que haveria de chegar.

“Levou algumas gerações. Acho que as pessoas no futuro não vão só usar as redes para falar e tirar fotografias daquilo que estão a almoçar. Acho que vão fazer coisas juntos”, declarou. “Então, é um optimista?”, perguntou a entrevistadora.

Nas vésperas das eleições nos EUA, Levitt não se conteve. “Temos de ser optimistas, especialmente hoje, man!”

“Graças à Web Summit, os ‘rock stars’ de Portugal vão ser empreendedores, cientistas e engenheiros”

Deixando o palco com uma vénia, Levitt deixou Cosgrave voltar para o segundo acto do “número” do wifi. Desta vez, sucesso. Graças à patrocinadora do evento, Paddy emitiu em directo para o Facebook e o “take dois” correu sem problemas. Foi aí que o irlandês CEO da Web Summit chamou ao palco os dezenas de CEO portugueses presentes na sala.

Mais de 150 dirigiram-se ao palco, para serem recebidos pela boa disposição do secretário de Estado da Indústria, João Vasconcelos. “No meu tempo, aqui viam-se concertos”, brincou. “Mas graças à Web Summit, os ‘rockstars’ de Portugal vão ser os empreendedores, cientistas e engenheiros.” A sala foi abaixo com essa, dando lugar a Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, e novamente António Costa.


Medina, num inglês fluente e a transparecer boa-vontade, “emprestou” as chaves da cidade de Lisboa a Paddy Cosgrave e recebeu em troca uma “pen” USB. Contagem decrescente… 3...2...1...e está aberta a Web Summit. Luzes, música, confettis...e a emissão segue dentro de momentos, no Bairro Alto.

Em jeito de epílogo, falta só notar a seca monumental que esperava os “attendees” à saída. Táxis nem vê-los, filas nas praças e Uber a 1.9 vezes o preço normal, com tempos de espera superiores a 10 minutos e períodos em que nem carros havia para transportar os pobres “geeks”.

Ganhou o Metro de Lisboa, que, à pinha, seguiu para a Baixa sempre a abrir. Valeu o WiFi gratuito que, às 21h00, ainda mexia, desta vez sem problemas, nos arredores do recinto.