O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, está a ser bem-sucedido na batalha para aprovar leis que lhe permitam romper com partes do acordo com a União Europeia para o Brexit, não obstante os avisos do Reino Unido sobre as consequências nefastas para a futura relação entre os dois.
A Lei do Mercado Interno tem por objetivo assegurar o livre comércio entre as quatro nações que compõem o Reino Unido, depois de este abandonar a União Europeia.
Porém, o Governo alega que isso requer a criação de poderes para poder anular parte do acordo de saída que assinou com Bruxelas. Trata-se de uma violação do direito internacional que Londres diz ser necessário para poder proteger a Irlanda do Norte no caso de as negociações, que ainda estão em curso, falharem.
E agora?
A proposta do Governo ainda tem de ser aprovada por ambas as câmaras do Parlamento para se tornar lei. Isso será mais simples na Câmara dos Comuns, onde os conservadores têm uma sólida maioria, do que na Câmara dos Lordes, onde não tem maioria.
A lei já passou a fase mais complexa do debate nos Comuns e deverá ser aprovada nessa câmara na segunda ou terça-feira da próxima semana. Depois será analisada pelos lordes.
Então tudo depende dos lordes?
Nem por isso.
O processo de escrutínio da lei não está a ser acelerado, por isso demorará a maior parte de outubro e de novembro para ser concluído.
Isso significa que não estará concluído antes do prazo dado por Bruxelas para que a lei seja retirada, até ao final de setembro, nem antes do dia 15 de outubro, o prazo dado por Johnson para que se chegue a um acordo com a União Europeia.
Caso as negociações em torno de qualquer um destes prazos sejam bem-sucedidas as partes mais polémicas da proposta de lei poderão perder a sua razão de ser.
Este facto volta a colocar o enfoque nas negociações com Bruxelas, onde a União Europeia continua por tomar uma decisão formal sobre como reagir perante a recusa de Johnson de retirar a proposta do Parlamento.
Segundo um diplomata da União Europeia, contactado pela Reuters, “o prazo para a passagem da lei deixa espaço para um diálogo construtivo sobre as questões levantadas pelo Reino Unido”, pelo que uma possível resposta jurídica do Reino Unido poderá ser adiada até ao início de outubro.
A Câmara dos Lordes ainda pode bloquear a proposta?
O projeto de lei já foi criticado por muitos membros da câmara alta, incluindo conservadores, mas o papel principal dos lordes é de emendar e melhorar a legislação que lhes chega, e não de a bloquear.
Existem precedentes que permitem aos lordes bloquear leis, mas caso o fizessem nesta ocasião isso causaria um conflito constitucional, pelo que tal medida parece improvável.
O mais natural é a Câmara dos Lordes procurar emendar a proposta, removendo ou diluindo certas partes, ou inserindo medidas de segurança e de verificação. Essas emendas poderão regressar aos Comuns para serem aprovadas, mas dificilmente antes do início de dezembro.
Se Johnson conseguir manter a maioria disciplinada então a lei poderá viajar entre as duas câmaras até que se chegue a um meio-termo ou o Governo simplesmente tente forçar a legislação sem a aprovação dos lordes.
E porque é que o Reino Unido diz precisar desta lei?
O Governo diz que os poderes são uma rede de segurança para garantir a paz na Irlanda do Norte, caso as negociações com a União Europeia sobre como tratar o comércio transfronteiriço falhem.
A União Europeia quer garantir que a fronteira aberta com a Irlanda não serve de porta das traseiras para a introdução de produtos britânicos na União. Já o Reino Unido quer garantir o livre comércio de bens entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido.
O Reino Unido teme que a reintrodução de uma fronteira física entre as duas irlandas ameace o processo de paz e leve ao retorno da instabilidade na região.
Que concessões é que o Governo já fez?
Até agora Boris Johnson fez duas concessões.
Em primeiro lugar prometeu ao Parlamento que qualquer decisão para invocar os poderes criados pela lei, que ponham em causa o tratado com a União Europeia, seria sujeita a votos no Parlamento. Esse anúncio permitiu ultrapassar uma rebelião dentro do seu próprio partido.
Em segundo lugar comprometeu-se a sujeitar qualquer disputa com a União Europeia ao mecanismo de resolução previsto no acordo de saída, em paralelo à utilização unilateral de tais poderes.