Foi naquela que é hoje a casa de José Saramago em Lisboa, na Casa dos Bicos, sede da Fundação José Saramago que Rafael Gallo se sentou connosco para a conversa. O escritor brasileiro confessa que o prémio que leva o nome do Nobel português era o seu “principal sonho na literatura”.
Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença, Rafael Gallo diz “foi um choque” quando recebeu a notícia através de um telefonema de Guilhermina Gomes, a presidente do Júri. “Foi incrível, porque tenho, primeiro, uma relação afetiva muito forte com o Prémio porque sou um grande leitor e admirador de Saramago. Qualquer coisa que tiver o nome de Saramago já faz o meu coração bater um pouco mais rápido”, explica o autor.
Rafael Gallo explica que entre os seus livros preferidos estão também “muitas das obras vencedoras do prémio”. O escritor fala mesmo no seu “panteão pessoal”. “São os meus preferidos. Tenho uma relação forte com esses livros, sou apaixonado por eles”.
Essa paixão é agora “reforçada”, explica o escritor, ao tornar-se, também ele, um dos prémios Saramago. “Para mim virou aquela coisa, imagina, um livro meu ter na capa escrito vencedor do Prémio José Saramago? É um grande sonho e improvável”, diz Gallo por ser “muito concorrido”
Quem é Rómulo Castelo?
“O Rómulo [Castelo] é um pianista de música clássica. Ele quer ser o maior intérprete de Liszt” explica Rafael Gallo sobre a personagem principal do livro vencedor do Prémio Saramago. “Dor Fantasmas”, retrata a vida dessa “figura da excelência” musical.
Em paralelo a abordar a vida deste virtuoso pianista, Rafael Gallo quis também falar sobre “questões da paternidade, do patriarcal, dos atos masculinos” e de como vê nisso “uma falta de afetividade” na personagem de Rómulo Castelo.
“É esse projeto do desempenho, de se criar trabalhadores, mão de obra que realmente se orgulha do próprio trabalho” que Rómulo personifica na figura do pianista, diz o escritor brasileiro.
“Essa figura do artista, como muita gente pensa, não é uma pessoa liberal, progressista, com uma alma muito boa. Às vezes também pode ser um tirano, um carrasco”, indica Rafael Gallo sobre a personagem principal do livro.
Recorrendo à sua experiência pessoal como músico, o autor brasileiro quis imprimir na escrita também um ritmo musical. O livro é, de resto, dividido em quatro andamentos.
“As quatro partes têm nomes de partes de músicas”, diz o autor. “Começa com a “coda” que em geral na música é o final, a cauda. E é essa ideia, aquela vida está acabando. A primeira parte, é como a vida dele é, como ele é, como ele domina. Queria que tivesse um pouco essa linguagem da música mais organizada. Como se fosse a vida que ele construiu”.
Depois o livro ganha outro ritmo. Rómulo Castelo sofre um acidente. “Depois isso vai-se tornando um pouco mais árido, como se a música até quisesse sumir do texto”, explica Rafael Gallo.
“De uma certa forma, a música vai desaparecendo. Se a história continuasse, talvez nem houvesse mais menções à música. A música continua a ser mencionada, porque ele está-se debatendo. Vira uma relação de ele tentar se debater, voltar aquilo, mas já não é ele mais não”, conta o escritor.
Sobre o momento do acidente, Rafael Gallo explica: “Esse acidente me interessava. Alguém que baseia toda a sua vida nesse desempenho com arte, e que com isso inclusive, garante que consegue ter destaque”, o que aconteceria, questiona o autor “se a gente tirar isso dele?”.
“O que é que sobra dele quando se tira isso? Me interessa muito porque, entra uma questão que eu acho central que é a da identidade. Se perguntar quem é você? O que faz de você, você? O que faz do Rómulo, Rómulo?”, afirma Rafael Gallo.
“Esse acidente é o que vai colocar em choque tudo isso, porque aí você vê que realmente não tinha outra coisa. E que ele sempre foi essa figura prejudicada, mesmo o acidente só consuma, mas tudo o resto já estava realmente acidentado”.
“Eu não sou um grande pianista!”
Para escrever este livro, Rafael Gallo recorreu às suas experiências musicais. “Eu toco um pouco de piano, mas eu aprendi sozinho, porque tocava violão”. O escritor que estudou composição, lembra que “brincava um pouco” piano, quando o seu colega se afastava do instrumento.
“Eu sou alguém que toca violão e senta no piano e faz no piano mais ou menos a Bossa Nova que faz no violão! Mas eu não sou um grande pianista!”, admite o escritor.