David Simas. As redes sociais são um "acelerador de uma condição pré-existente"
03-11-2021 - 20:53
 • Daniela Espírito Santo

David Simas defende que a Internet é "parte do problema" mas não a origem do declínio da confiança das pessoas nas instituições.

Trabalhou para Barack Obama durante oito anos. Agora é o CEO da Obama Foundation e tenta resolver o problema da falta de "líderes empáticos". David Simas é filho de imigrantes portugueses nos EUA e foi à Web Summit defender a ideia, talvez menos comum, de que a clivagem política em que os EUA se encontram não é culpa das redes sociais. "Foram só aceleradores de uma condição pré-existente", admite. Acredita que as "linhas ideológicas" começaram a ser quebradas nos anos 90 com os canais de informação 24 horas. "A clivagem e segmentação da sociedade começa aí e, depois, os social media aceleraram [o processo]".

"Há uma câmara de eco subjacente na televisão por cabo e 'talk radio'. Facebook, Twitter... as redes sociais são parte do problema, mas se só nos focarmos nisso e não olharmos para o resto escapa-nos a origem do problema", diz.

A juntar ao facto dos norte-americanos "verem muita televisão" veio também a crise económica de 2008, causada por uma "bolha" de especulação imobiliária, que acabou com a ideia do sonho americano: "fiz tudo direito. Poupei, fiz o que era suposto, mas houve pessoas que jogaram [com a economia] e sou afetado por isso? Uma geração inteira questionou, nesse momento, o que tinha aprendido sobre a economia", explica.

"A confiança [nas instituições] está ao nível mais baixo de sempre". E como será possível resolver tal problema? "O único espaço onde ainda há confiança é ao nível local". Por isso, "há que começar onde as comunidades conectam. Se eu te vir, se eu te conhecer... temos aqui uma base para recuperar a confiança", defende. É aqui que começa o trabalho da Obama Foundation, que pretende criar os líderes locais do futuro e, assim, "criar um mundo melhor", um bairro de cada vez.

"As comunidades, a nível local, são o único sítio onde podemos interagir como seres humanos, sem rótulos". É esta a receita para aumentar a confiança cívica? "Identificamos pessoas a nível local e há pessoas assim em todo o lado. Já selecionamos 200 líderes em África, de milhares de candidaturas. Treinamos essas pessoas para serem líderes de si próprios, liderarem outros e construírem comunidades", exemplifica.

O objetivo? "Criar pontes de empatia. Não consegues convencer ninguém a falar contigo se lhe disseres que está errado", defende. Sempre a nível local para escalar pois, admite, quem está inserido na sua comunidade "tem um poder que Obama ou Bush não têm: estão num espaço de proximidade".

"É responsabilidade da comunidade tecnológica" pensar nas consequências do que faz à sociedade

Apesar de "defender", de certa forma, as redes sociais, David Simas não deixa de negar a sua responsabilidade perante o atual cenário social. Fala mais do exemplo que conhece, o norte-americano, mas acredita que a falta de confiança cívica não atinge só os EUA. Para Simas, o declínio da democracia é outro fenómeno causado pelo mesmo problema e é "um fenómeno global".

Hoje em dia, "não é preciso passar pelos 'gatekeepers' institucionais. Decidimos nós o que é verdade ou não". É esse o desafio atual: "isto desafia as fundações do que é verdade" e dá palco a demagogos, "que nos colocam uns contra os outros". "Toda a gente que está aqui nesta sala tem mais poder do que qualquer dos seres humanos que existiram até agora. Nunca foi possível tocar tantas vidas e tantas pessoas de forma tão profunda, sem intermediários. Isso nunca existiu", salienta.

Perante tal cenário, as grandes corporações, especialmente as que criam plataformas utilizadas por muitos, como as redes sociais, têm de decidir: "qual é a tua responsabilidade quando colocas algo no mundo, nestas circunstâncias? Quais as consequências do que fazes à sociedade?". Por isso, deixa o recado: "Acredito que é responsabilidade da comunidade tecnológica colocar essas perguntas no processo de criação [de produtos], desde o primeiro momento", disse, gerando aplausos da audiência.

"Há uma diferença entre a liberdade de expressão e a liberdade de alcance. Se sabes o que alcança mais pessoas e maximizas isso... Isso não é correto", denuncia, deixando crer que se refere às mais recentes alegações contra o Facebook. "Se dás ênfase a certas coisas estás a tomar uma decisão", remata.