Portugueses nos Panama Papers. O que preciso de saber
09-04-2016 - 17:04
 • Redacção

Quantos portugueses são citados? E quem? O que fazia o Grupo Espírito Santo com empresas “offshores”? Perguntas e respostas sobre as ligações portuguesas ao caso de que o mundo fala.

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O mundo acordou a 3 de Abril para o escândalo “Panama Papers”, o maior caso de fuga de informação ligado a empresas "offshore" registado até hoje e que envolve 11,5 milhões de documentos ligados a quase quatro décadas de actividade da empresa panamiana Mossack Fonseca, especializada na gestão de capitais e de património.

Os documentos incluem informações sobre mais de 214 mil empresas "offshore" em mais de 200 países e territórios.

A investigação dura há um ano e é conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ). Há mais de 100 órgãos de comunicação social de todo o mundo envolvidos neste trabalho, incluindo os portugueses “Expresso” e TVI.

Quantos portugueses são citados nos Panama Papers?

Serão 240 os cidadãos portugueses ou com residência em Portugal com ligações directas ou indirectas a sociedades "offshore" criadas pela empresa Mossack Fonseca, avançaram o “Expresso” da TVI.

A investigação revela que estes portugueses têm vários tipos de ligação a empresas “offshores”: da propriedade efectiva das empresas ao seu controlo indirecto, passando pela mera intermediação de negócios.

Ser citado nos Panama Papers equivale a ter feito actos ilegais?

Não. Ter uma conta ou criar uma empresa “offshore” não é ilegal. Há, por exemplo, quem o faça para reduzir o risco dos seus investimentos, distribuindo-os por vários países.

A ilegalidade existe quando o cliente não declara esses rendimentos em Portugal ou quando usa sociedades fictícias para movimentar o dinheiro longe dos radares das autoridades. Os “offshores” são conhecidos instrumentos em esquemas de corrupção ou lavagem de dinheiro.

Que portugueses são citados?

Na noite de 3 de Abril, quando o caso “Panama Papers” foi revelado ao mundo, o único registo português nos “Panama Papers” era Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira, CEO do grupo Lusitana, aglomerado de empresas criadas em paraísos fiscais. Segundo o ICIJ, Idalécio Oliveira terá transferido dinheiro para políticos brasileiros investigados pela operação “Lava Jato”.

Nos primeiros dias do caso, o “Expresso” e a TVI avançaram que o presidente não-executivo da Bial, Luís Portela, o empresário e antigo presidente do Benfica Manuel Vilarinho e Ilídio Pinho, presidente da fundação com o seu nome, são também citados nos “Panama Papers”. Mais tarde surgiria o nome de Ângelo Correia e de Pedro Queiroz Pereira, bem como um filho e uma neta de Champalimaud.

O caso que envolve José Sócrates também foi referido neste escândalo, mas o ex-primeiro-ministro negou qualquer envolvimento.

A consulta dos documentos revelou também a forma como um alegado saco azul do universo Espírito Santo foi mantido em segredo por 21 anos.

A investigação revela ainda outros nomes citados nos “papéis do Panamá”: um ourives, donos de empreendimentos turísticos no Algarve e um empresário ligado ao futebol.

A sociedade portuguesa Abreu Advogados é identificada como um dos intermediários que participaram em operações ligadas a empresas “offshores” que eram clientes da Mossack Fonseca. A sociedade não quis comentar o caso, invocando “limitações de sigilo profissional”, mas garantiu o cumprimento escrupuloso de “todos os procedimentos legais no aconselhamento aos seus clientes”.

O que nos dizem estes papéis do Panamá sobre o GES?

Os “Panama Papers” revelam como os altos responsáveis do Grupo Espírito Santo (GES) mantiveram durante mais de duas décadas uma empresa misteriosa, não registada nos relatórios e contas e no organigrama do grupo. O Ministério Público suspeita que se trata de um saco azul.

Cerca de 300 milhões de euros terão passado por essa empresa, a ES Entreprises, criada em 1993 por todos os membros do conselho superior do GES, o núcleo duro da família Espírito Santo.

A ES Entrepises foi dona de outras companhias “offshore”, que por sua vez eram detentoras de outras sociedades, “num esquema labiríntico”, escreve o “Expresso”. A Mossack Fonseca criou mais de 300 companhias “offshore” ligadas ao GES.

Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, não comentou estas revelações, invocando o segredo de justiça. José Manuel Espírito Santo Silva, antigo braço-direito de Salgado, que na comissão de inquérito ao colapso do BES disse ter tido conhecimento da ES Entreprises há pouco tempo, afirmou ao “Expresso” e à TVI que não se recorda de "ter tido algum cargo" nessa empresa e mantém que não sabe o que fazia a firma.

Qual é o alegado envolvimento de José Sócrates?

O dinheiro que está a ser investigado no âmbito da “Operação Marquês” terá passado por um "offshore" do Panamá.

O jornal “Expresso” adianta que as alegadas luvas ao antigo primeiro-ministro José Sócrates, um dos arguidos do caso, terão sido pagas com dinheiro do “saco azul” do Grupo Espírito Santo.

A defesa de José Sócrates garante que a divulgação de novas suspeitas, no âmbito do escândalo dos “Panama Papers”, são “infundadas, abusivas e caluniosas”.

O que dizem os papéis sobre Luís Portela?

Segundo os documentos, o dirigente da maior farmacêutica portuguesa surge associado a uma “offshore” no Panamá, controlando-a de forma indirecta. Portela tinha o poder de movimentar dinheiro e activos na conta bancária que lhe estava associada.

Ao “Expresso”, Portela não explicou a razão da associação à “offshore”, mas garantiu a legalidade das operações.

“A Bial tem uma filial no Panamá, a partir de onde coordenamos a nossa actividade nos diferentes países da América Central onde operamos”, disse. “É um negócio que se tem vindo a desenvolver ao longo dos anos. No que diz respeito a questões fiscais, devo dizer-lhe que quer eu quer a Bial cumprimos escrupulosamente os preceitos aplicáveis.”

Portela garante que não existe qualquer "offshore" em seu nome pessoal, nem dos seus filhos e que tem os dados fiscais completamente regularizados.

E sobre Manuel Vilarinho?

O ex-presidente do Benfica (2000 a 2003) admite que teve uma “offshore”, mas diz que “isso não é crime”.

Por que razão a fez? Porque cometeu “um pecado que está no DCIAP” por causa “de um problema grave” que teve com o Banco Espírito Santo, disse, sem especificar.

“Não tenho rabos-de-palha e sou um cidadão cumpridor. Já paguei tudo o que devia”, disse. “Pois é claro que o meu nome aparece nos Papéis do Panamá. Eu sei que estou lá, sabe o Ministério Público, e sabe o país todo”.

E Ilídio Pinho?

Os documentos consultados pelo “Expresso” e pela TVI mostram que Ilídio Pinho e outras pessoas que com ele trabalham há vários anos estiveram associados a empresas “offshore”, uma delas no Panamá.

Ilídio Pinho nega que tenha criado uma “offshore” no Panamá (em nome próprio ou para o seu grupo): “Não, de todo! Absolutamente zero!”, respondeu o empresário ao “Expresso”. “Cumprimos rigorosamente as nossas obrigações fiscais”, acrescentou.

Duas "offshores" para Pedro Queiroz Pereira

No dia 22 de Abril, os meios de comunicação do consórcio que analisa os documentos divulgaram informação relativa a Pedro Queiroz Pereira, um dos homens mais ricos do país, dono da Portucel e da Semapa.

O empresário terá tido duas "offshores" criadas pela Mossack Fonseca. A primeira, chamada Neeley Marketing, foi usada para aluguer de jactos privados e extinta em 2010, mas a segunda, Grantfield Overseas, apenas cessou funções depois de Queiroz Pereira ter prestado declarações na comissão parlamentar de inquérito no caso BES. Não se sabe, porém, a que se dedicava esta empresa.

Ângelo Correia trabalhou para "muita gente"

O ex-ministro Ângelo Correia também apareceu ligado ao caso no dia 22 de Abril. Durante nove meses, numa altura em que não exercia cargos governativos, terá sido administrador da Anchorage Group Assets, sedeada nas Ilhas Virgens. Não se sabe quem eram os verdadeiros donos, uma vez que a empresa funcionava com acções ao portador.

Questionado pelo "Expresso" sobre este envolvimento, Ângelo Correia respondeu: "Trabalhei para muita gente e pode ter sido que me tenham nomeado para essa empresa e eu tenha assinado."

Que outros portugueses serão citados?

Os documentos ainda estão a ser investigados pelos jornalistas do “Expresso” e da TVI, que trabalham em rede com outros jornalistas de investigação, no âmbito do ICIJ.

Jorge Cunha, um gestor de fortunas português, terá angariado clientes para a Mossack Fonseca, entre os quais “ex-ministros e/ou políticos”, segundo um documento interno da companhia. Os nomes não foram (ainda) revelados.

Confrontado pelo “Expresso” e pela TVI, Jorge Cunha disse: “Isso é totalmente falso. Não tenho nem nunca tive clientes que fossem pessoas politicamente expostas”.

As autoridades portuguesas estão a investigar?

Sim. O Ministério das Finanças solicitou ao consórcio de jornalistas a lista dos nomes portugueses no caso. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, já tinha garantido, no Parlamento, que o Governo tentará que sejam levadas “até às últimas consequências” eventuais omissões de deveres fiscais em Portugal.

O Ministério Público “está a acompanhar a situação, recolhendo elementos e procedendo à respectiva análise. Se desses elementos resultarem factos susceptíveis de integrarem a prática de crimes, o Ministério Público, como sempre, não deixará de agir em conformidade".

[Notícia actualizada às 13h39 de 23 de Abril]