Falta de habitação acessível, baixos salários, carga horária elevada, deterioramento da saúde mental, abandono escolar... Estes são apenas alguns dos problemas de que a atual geração de estudantes se queixa. É uma geração que vê a emigração como "o dia seguinte" ao Ensino Superior.
A Renascença reuniu testemunhos de vários estudantes da cidade do Porto, a 20 de março, dia em que a Federação Académica do Porto (FAP) organizou um protesto da “Geração 30” contra a falta de investimento no Ensino Superior e nos estudantes, e o consequente aumento da emigração jovem.
O que é a Geração 30?
A “Geração 30” - apelido dado pela FAP - advém das dificuldades enfrentadas pelos estudantes e jovens. “O retrato de uma geração que não se resigna” é o mote do movimento de quem “não vai desistir de lutar”, afirma o presidente da FAP, Francisco Porto Fernandes.
Pedro Moreira, 22 anos, é estudante de Medicina. Para o jovem, “a Geração 30 é a identidade gráfica da nossa geração".
"Atualmente, 30% dos jovens em Portugal emigram, os jovens até aos 30 anos não têm possibilidades de ter casa própria e, portanto, foi a forma que encontramos de nos revoltarmos e alertarmos o Estado para a gravidade da situação", enfatiza.
João Lino, 20, estuda História e diz que a Geração 30 representa "as dificuldades que estamos a viver".
"Todas as gerações tiveram as suas dificuldades e nós, não sendo exceção, também temos, adaptadas às nossas circunstâncias e aos nossos tempos.”
“Ouvir a voz da nossa geração é o mais importante, ouvir os problemas que nós temos agora” é o desejo de Inês Nunes, 20, estudante de Criatividade e Inovação Empresarial.
Emigração jovem, a tendência que está a aumentar
“30% dos jovens entre os 20 e os 28 anos emigraram, segundo os dados do Observatório para a Emigração, e Portugal tem das taxas mais altas de emigração efetiva da Europa”, conta o presidente da FAP.
O governo de António Costa referiu-se frequentemente à "geração mais qualificada e bem preparada de sempre”. Porém, os estudantes não sentem que esta realidade tenha sido acompanhada de uma valorização salarial e de carreira.
Francisco Jesus, 25 anos, estuda Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e vê as condições de trabalho como um “problema alarmante” que necessita de ser realçado.
Ninguém emigra de cabeça leve
“Os estudantes, quando saem da faculdade, têm baixas perspetivas de salário, um problema que é transversal a toda a população. Ninguém emigra de cabeça leve, é uma decisão muito ponderada. Há bastantes jovens que se sentem obrigados a emigrar e a resposta tem de ser o aumento dos salários, a valorização da carreira e um contrato efetivo para uma carreira efetiva", diz o futuro engenheiro.
João Lino acredita que “tem de ser feito muito". E argumenta: "Sentimos que não somos valorizados. Por exemplo: a maior parte dos estágios não são pagos", refere. Quanto ao primeiro emprego, o estudante de História não deixa de salientar a "dificuldade em encontrá-lo" ou, pelo menos, "dentro da área". "Estudamos para quê?”, questiona.
Alojamento estudantil, a “barreira ao ensino”
“Os dados falam por si”, desabafa o presidente da FAP. Os preços das rendas subiram substancialmente e nem todos os estudantes deslocados conseguem suportar os custos associados a viver numa nova cidade, especialmente quando se trata de uma cidade cara.
“Um estudante paga 400 euros apenas por um quarto, fora todas as outras despesas. É insustentável pensar em estudar sem alojamento acessível. Desde 2019 prometeram-nos 18 mil camas de residência estudantil e cumpriram apenas com 484”, afirma Francisco Porto Fernandes.
Inês Nunes é de Ovar, mas estuda no Porto. Para cobrir todas as despesas tem de ser trabalhadora-estudante, colocando muitas vezes a vida académica em segundo plano.
“Eu trabalho, pago a minha renda, despesas, alimentação, e não me resta quase nada. Os estudantes deslocados que estão no Porto não têm as condições devidas para viverem a sério a vida académica, que são os anos mais importantes da nossa vida.”
Ana Beatriz Carvalho, 21, estudante de Direito, pede ao futuro Governo para “melhorar realmente as condições de habitação". "Acho que é o grande entrave que faz com que as pessoas muitas vezes desistam da faculdade", lamenta.
Os estudantes e a saúde mental instável
Semanas com 30 horas de aulas e quatro exames é a realidade de muitos estudantes da Universidade do Porto. O presidente da FAP acredita que estes são alguns dos fatores que estão a levar a cada vez mais casos de depressão e burnout entre a comunidade estudantil.
“É impossível ter bem-estar psicológico com quatro exames numa semana, com 30 horas de aulas semanais. E também é preciso dar esperança. Obviamente que ninguém pode estar bem psicologicamente se, no 'dia a seguir' ao Ensino Superior, o melhor destino que tem é emigrar, ou se sabe que está a prejudicar significativamente as finanças dos pais para pagar um quarto”, acrescenta.
A falta de profissionais de Psicologia é igualmente uma das reclamações dos estudantes desta instituição. Segundo Francisco Jesus, “na zona do Campo Alegre, há um psicólogo para cinco mil estudantes". "Não é suficiente para colmatar as necessidades que os estudantes têm de consultas de Psicologia. Tem que haver este investimento nos serviços de ação social para que cada estudante consiga ter acesso a consultas gratuitas e regulares", defende.
O estigma associado à procura de ajuda também não é positivo, diz João Lino que entende que a sociedade portuguesa acredita que os problemas de saúde mental não afetam nem são importantes para os jovens. Francisco Porto Fernandes também relembra que o reitor da UP abordou o tema da saúde mental na sua tomada de posse como presidente da FAP, mas que ainda faltam realizar "ações concretas".
Os pedidos dos estudantes ao novo Governo
“Ouçam a nossa voz, a voz da Geração 30”, foi uma das frases mais repetidas nos testemunhos dados à Renascença. Os estudantes pedem que as suas dificuldades sejam discutidas no Parlamento, de modo a encontrar soluções que evitem a “fuga de cérebros” para o exterior.
“Fala-se tanto no crescimento económico... O Ensino Superior é crucial para o crescimento económico de qualquer país", relembra o presidente da FAP, que pede prioridade à Educação e ao Ensino Superior.
“Daqui a uns anos seremos nós, como geração, a assumir o país, e é muito importante ouvir os problemas que temos agora", assume Inês Nunes, para que "no futuro eles não se repitam ou agravem”.
João Lino argumenta, por sua vez, que os jovens não são “meras bandeiras políticas". "Temos de ser uma prioridade deste país”.
Com todas estas lutas pela frente, a Federação Académica do Porto propõe a existência de um ministro do Ensino Superior na próxima legislatura, deixando a juventude “à sua tutela”: a FAP enviou a todos os partidos com assento parlamentar um conjunto de 30 propostas que abordam todos os temas referidos nesta reportagem, e fará chegar nas próximas semanas uma proposta de plano de emergência para o alojamento estudantil a Luís Montenegro, primeiro-ministro indigitado, que toma posse a 2 de abril.
[Notícia atualizada às 12h36 de 25 de março de 2024]