O ex-ministro Pedro Nuno Santos "esteve quase sempre isolado" no Governo na defesa da injeção pública de captital na TAP, defendem dois dos seus antigos colaboradores, que criticam o ziguezaguear do primeiro-ministro neste dossiê e contestam a privatização da maioria do capital da empresa.
Estas são algumas ideias inscritas no livro "Patos Desalinhados não Voam", da autoria do ex-secretário de Estado das Infraestruturas Hugo Mendes e Frederico Pinheiro, ex-adjunto dos ministros Pedro Nuno Santos e João Galamba, que será lançado no próximo dia 09 pela editora Zigurate.
"Mesmo dentro do Governo, e excluindo as intervenções do ministro Pedro Siza Vieira, Pedro Nuno Santos esteve quase sempre isolado na defesa pública daquela que era uma das mais controversas decisões que todo o Governo tinha tomado nos últimos anos", argumentam os autores.
No posfácio do livro, Hugo Mendes e Frederico Pinheiro insurgem-se contra a possibilidade de uma privatização da maioria do capital da transportadora aérea, alegando que "privatizar grandes empresas em setores estratégicos faz invariavelmente com que o Estado perca instrumentos próprios de política pública nesses setores que não passem por fazer parcerias com o setor privado".
"Faz-nos confusão que governos que veem no Estado um instrumento de desenvolvimento do país reforcem este processo, decidindo voluntariamente abdicar dos instrumentos de poder que as grandes empresas representam numa economia de mercado", escrevem Frederico Pinheiro e Hugo Mendes, que foram duas das figuras centrais da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, o primeiro por ter sido demitido após ter protagonizado um incidente violento no edifício do Ministério das Infraestruturas e o segundo por ter defendido junto da então CEO da TAP a alteração de um voo do Presidente da República.
Apesar de reconhecerem "uma vantagem" na privatização da maioria do capital da transportadora - "reduz os problemas de um Governo e contribui para a despolitização dos temas ('a empresa é privada, o Governo não pode fazer nada') - os dois ex-colaboradores de Pedro Nuno Santos advogam que "uma TAP sob controlo público permite, apesar de tudo, algum equilíbrio na operação do hub", mas já sob controlo "privado fará com que o Estado não controle nenhuma das empresas - a que gera a infraestrutura e a que a usa para operar o serviço - que o fazem operar".
Hugo Mendes e Frederico Pinheiro não resistiram também a dirigir críticas ao primeiro-ministro, recorrendo à mesma expressão que o líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda sarmento, usou no parlamento."Não deixa de ser impressionante o ziguezaguear das posições do primeiro-ministro sobre a TAP ao longo dos anos", acusam.
Quanto à alienação do capital, os dois colaboradores de Pedro Nuno Santos defendem que "seria provavelmente mais inteligente dar passos curtos, mas seguros, enquanto a companhia se valoriza no mercado", até para permitir "testar se o novo parceiro é fiável (e que não queira simplesmente fazer mais-valias de curto prazo, como no caso Neelman)".
Além disso, se a opção for pela venda da maioria do capital, "vai quase de certeza submeter a empresa a mais um longo processo junto da comissão europeia", numa altura em que "é muito possível" que os maiores grupos de aviação europeus "tenham disponibilidade para aceitar uma participação minoritária, entrando no capital da TAP não para a controlar, mas para não a deixar à mercê de outros concorrentes".
No caso da indemnização de 500 mil euros paga à ex-administradora Alexandra Reis para sair da TAP, que desencadeou a polémica e levou à constituição da comissão de inquérito, Frederico Pinheiro e Hugo Mendes afirmam que o valor lhes pareceu "passível de ser aceite, não apenas porque era recomendado pela CEO, mas também porque era cerca de um terço da proposta inicial" da visada.
"Considerámos esse valor o ponto de equilíbrio possível entre a defesa dos interesses da empresa e a salvaguarda do que se entendia serem direitos de administradora, não excedendo o que politicamente nos parecia admissível", acrescentam, justificando que não pretendiam "correr o risco de que a relação entre as administradoras se deteriorasse ao ponto de tornar o CEx da TAP disfuncional", além de que "o objetivo passava também por reforçar a autoridade da CEO como líder da equipa".
Para justificar o título do livro, os autores foram buscar a teoria de um antigo prémio Nobel de que o problema, os factos, a decisão e a consequente justificação pública, mas também os aliados têm de funcionar alinhados, tal como os patos na carreira, sob pena de a mensagem não passar, ou seja, "os patos não conseguirem voar". Não basta ter boas decisões, elas têm de ser explicadas de forma inteligente, devendo os agentes políticos cuidar não apenas do caráter racional das medidas, mas também da parte emocional, porque é esta que chega melhor às pessoas, defendem.
Dão o exemplo da injeção pública de mais de três mil milhões de euros na TAP, que foi explicado de forma exclusivamente racional por uma questão de "honestidade política" e não conseguiu conquistar a maioria da opinião pública portuguesa, porque "a narrativa do ministério era pobre do ponto de vista emocional" - apesar de ser "cognitivamente coerente e empiricamente robusta -, e "era difícil gerar simpatia pela TAP".
"O fim da TAP numa economia em recessão profunda teria um efeito dominó severo", além de que "não seria a mesma coisa liquidar a empresa com o mercado a crescer ou liquidar a TAP com a economia em forte queda. Neste caso, a decisão aprofundaria ainda mais a crise económica", sustentam, lembrando que, apesar de não ter devolvido ainda nada ao Estado acionista, "todos os dias contribui para o 'Estado fiscal' (o que não poderia fazer se tivesse desaparecido)".
"É fácil explicar isto na televisão em 30 segundos? Não. Uma narrativa como esta, exigente do ponto de vista cognitivo, estará sempre em desvantagem perante os predadores que queiram desviar a atenção" dos problemas, como aconteceu, por exemplo, com o Brexit no Reino Unido, entre os defensores da saída e da permanência na União Europeia.