Avelino Barreira, de 34 anos, deixou a engenharia informática, em Braga, para se dedicar à criação de vacas maronesas na sua terra natal, Alvadia, concelho de Ribeira de Pena. Tem 25 vacas e algumas novilhas. Conhece cada animal pelo nome: “Bonita, Castanha, Broca, Grabina, Cereja…”. E remata "Todas têm um nome e o touro é o Cardoso”.
São animais dóceis que entendem as ordens do pastor. “Se quero que uma vaca pare, porque vou abrir o portel para entrarem, digo ‘bouche, bouche’ e ela pára e percebe que eu quero alguma coisa. Se eu disser ‘ei, ei’, a vaca já sabe que, se não pára, pode levar com a vara’”, explica Avelino, orgulhoso.
“A vaca cresce a ouvir expressões e vai aprendendo. Depois há a vaca líder e esta é que é fundamental que entenda os sinais, porque todas as outras vão atrás”, prossegue.
A raça bovina maronesa é uma raça de montanha, primitiva, natural e rústica. O seu nome oficial responde à toponímia da serra do Marão. Os animais são de pequeno porte, escuros, mas com características especiais na prevenção de incêndios.
“É uma vaca especial, adapta-se aos territórios de montanha, bastante acidentados, são pastoreadas em regime extensivo e consomem os materiais finos, que são os que no verão, com pouca humidade, vão arder facilmente”, refere o produtor.
Avelino e os cerca de 50 produtores da freguesia de Alvadia estão empenhados em “não permitir que, de novo, ocorram incêndios nas proporções que têm atingido a serra do Alvão, incêndios de mais de mil hectares, completamente descontrolados”.
Para atingir os objetivos, basta “fazer uma gestão controlada do território” e, se assim for, “permite de forma real, sem ilusões, evitar esses cenários dantescos”. “Os animais na serra ajudam a combater o avanço da vegetação e a ter um controlo no combustível”, explica.
Também António Moutinho, produtor de 60 anos, refere que “as vacas maronesas são as grandes aliadas dos produtores na prevenção de fogos”. “Estas vacas não são seletivas. Gostam de toda a vegetação - comem ervas, comem arbustos – e, depois, devolvem tudo à terra, de uma forma diferente, em solo”, explica o produtor.
Duarte Marques, da Associação Florestal e Ambiental de Vila Pouca de Aguiar (AguiarFloresta), acrescenta que “as vacas pastam e pisoteiam e urinam e defecam. Ou seja, passam de um material que é combustível, que é o mato em si, para um material incombustível, que é a bosta”.
Na freguesia de Alvadia, Ribeira de Pena, existem 50 produtores e um efetivo de 320 vacas e 200 vitelos. Diariamente, quer faça sol ou faça chuva, estes animais vão fazendo discretamente o seu trabalho, ou seja, vão dando conta da vegetação, eliminando o material combustível e tornando o território mais resistente aos incêndios.
Motor para fixar jovens e atrair turistas
A prevenção de incêndios é apenas uma das vertentes do projeto “Terra Maronesa”. Uma iniciativa que quer “ajudar a viabilizar a vida na montanha”, usando a vaca maronesa, espécie autóctone, “como motor económico e ambiental para fixar jovens e atrair turistas”.
Avelino Rego explica que a ideia primeira é “combater o despovoamento do território, valorizando o animal, mas também da região e os produtos locais, sendo, por isso, um contributo para a comunicação do território e para a atração turística”.
“Estamos a criar um projeto com o qual queremos que as novas gerações se identifiquem, para que possam apostar nesta região como um projeto de futuro”, afirma o produtor, realçando que “os agricultores da região não são apenas produtores de carne”, são “gestores de território” que querem conciliar a atividade económica, que necessitam para viver, com a “gestão da paisagem”, explicita Avelino Rego.
António José Moutinho, produtor de 60 anos, residente no concelho de Vila Pouca de Aguiar, “desde sempre ligado às vacas”, acrescenta que “é preciso promover este animal e ganhar dinheiro, porque, de outra forma, ninguém sobrevive nestes territórios”. “Temos de viabilizar a vida na montanha”, enfatiza.
Em síntese, Avelino Rego afirma que a Terra Maronesa “é um pouco voltar ao modo de viver de sempre, da região, adaptado ao novo mercado, às novas exigências, de uma forma sustentável”. “Só desta forma - diz - teremos um modo de vida economicamente apetecível, que tenha reconhecimento e que possa oferecer à sociedade uma paisagem com a qual se identifique, que goste de apreciar e contribuir com uma série de serviços de ecossistema”, conclui.
“Identificação de um problema e de uma oportunidade”
O projeto “surge da identificação de um problema e de uma oportunidade”, conta Duarte Marques, da associação Aguiarfloresta.
“O problema é a dificuldade em ter rentabilidade económica neste território, a oportunidade são as valências deste animal, que tem uma componente económica importante, uma carne excecional e que, para além disso, faz um trabalho invisível, mas que é extremamente importante para o território, que é a paisagem”, explica. O objetivo é ainda usar a paisagem e a vaca que “gere o monte” como fator de atração turística.
No âmbito do projeto, vai ser realizado entre 01 e 02 de junho, em Vila Pouca de Aguiar, o seminário “Pastagens, vacas, lobos e homens”, que alia uma parte científica e de investigação. Estão também previstas visitas e passeios turísticos aos pastos e ao habitat natural da maronesa, atividades com as escolas e interligação com entidades artísticas como teatro, fotografia, e agentes turísticos.
Atualmente, segundo Paula Teixeira, da Associação de Criadores do Maronês, existem “4.100 animais de raça maronesa em linha pura, com cerca de 150 reprodutores, distribuídos por 990 criadores e 24 concelhos”.
A maronesa “evoluiu a partir do boi selvagem, que há milhares de anos povoou a Península Ibérica. E foi na região do Alvão que sentiu a sua zona de conforto. Por isso, faz todo o sentido preservar e potenciar esta raça”, defende a secretária técnica da associação.
A base geográfica da exploração da raça bovina Maronesa engloba fundamentalmente duas regiões naturais – a do Alvão-Marão e a da Padrela. A primeira abrange o maciço granítico do Alvão, a serrania xisto-grauváquica do Marão, o vale da Campeã e a veiga de Vila Pouca de Aguiar. A segunda coincide com o maciço montanhoso e a extensa plataforma planáltica da serra da Padrela.
A maior parte dos animais concentra-se em quatro concelhos: Ribeira de Pena, Vila Pouca de Aguiar, Vila Real e Mondim de Basto. No último triénio tem-se verificado uma certa procura por esta raça por criadores situados fora do solar, mais concretamente na região do Alentejo.
O projeto designado “Terra Maronesa” está a ser trabalhado em conjunto entre a Associação de Criadores do Maronês, Interreg Sudoe/SOS Lameiros, Instituto Politécnico de Bragança (IPB), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Aguiarfloresta e ATCoop – Alto Tâmega Cooperativo, e pretende valorizar o papel da vaca maronesa como motor económico, social e ambiental de toda uma região.