“Preocupante e aflitivo”. É desta forma que o general Campos Gil, antigo vice-chefe de Estado-Maior do Exército (CEME), olha para a queda de efetivos nas Forças Armadas que, entre 2021 e 2022, perderam cerca de 1.500 militares.
Em declarações à Renascença, o general Campos Gil sublinha que estas reduções têm impacto direto no terreno.
“Têm implicações nos serviços do dia a dia, na segurança dos quartéis, na capacidade de escala de serviço, os militares ficam de escala fim de semana sim, fim de semana não, e não escolheram ser militares para estarem sempre de serviço. Para não falar das missões, aí temos voluntários, mas a determinada altura também aqui há cansaço no empenhamento”, revela.
Não é difícil para este general, que esteve à frente do ramo do Exército, perceber o desencanto de muitos efetivos.
“Para o teatro de operações externas, aí, o efetivo vai a 100%, mas à medida que faltam efetivos o problema reflete-se depois no serviço do dia a dia e nas posições de retaguarda, que ficam sobrecarregadas. É menos aliciante para os jovens que não fazem a função que gostariam e na qual pensaram quando escolheram as forças armadas”, conclui o general Campos Gil.
Para o antigo responsável militar, “as Forças Armadas bateram no fundo e o problema é como recuperamos isto?!”
“Atenção, porque o problema não está em adquirir novos equipamentos, mas em colocar a funcionar os que temos e com o que se desinvestiu será um sarilho completo meter isto de novo a funcionar!”, alerta o militar, explicando que a guerra na Ucrânia revelou que isto não é um problema só português, mas europeu.
Contesta o facto de, ao longo de anos, o país e o poder político se terem recusado por várias razões pensar sobre o futuro militar em Portugal.
“Era preciso um raciocínio profundo que ninguém quer fazer: precisamos de Forças Armadas e, se precisamos delas, não as podemos deixar a apodrecer. Hoje, infelizmente, temos Forças Armadas podres e a rapaziada que trabalha com afinco aos 30 anos está frustrada”, lamenta.
O desinvestimento, diz, não passa só por falta de dinheiro para manter meios ou modernizá-los, passa pela ausência de uma reflexão que devia ser feita e não foi. “Sabe no tempo da troika em quantas reformas estive envolvido? Em três que significaram redução e desinvestimento”.
O general Campos Gil compreende bem que num país em dificuldades as Forças Armadas não sejam um setor prioritário, mas “o que não podemos compreender é o movimento crónico de desinvestimento que já é mais filosófico e que tem por base o facto de estarmos num período de paz, de não serem necessárias, servem então para quê?”, questiona.
Considera grave “pensamos sempre em horizontes de legislatura de quatro anos, sem se assumir verdadeiramente o que queremos ser como nação e o que precisamos para assegurar a soberania do Estado”.
Forças Armadas correm risco de desaparecer?
Nestas declarações à Renascença o antigo vice-CEME não quer acreditar na tese de desaparecimento das Forças Armadas, ou espera que ela não aconteça durante o seu tempo de vida.
“Eu não acredito que as Forças Armadas desapareçam como instituição, mas temo que sejamos empurrados numa revisão estratégia que se venha a fazer e (que não é inédito) de repente sejamos confrontados com um redimensionamento das Forças Armadas ao batalhão do Luxemburgo, sendo apenas simbólicos sem contar para nada.”
Questionado sobre a possibilidade do país contar cada vez mais com a cooperação e apoio de terceiros para cobrir o que não tem, avisa que “não há almoços grátis”.
“Ajuda? Os Estados regem-se por interesses. Nós temos boa relação com Espanha e acrescentar as nossas águas territoriais e espaço aéreo, por exemplo, para eles não havia problema nenhum.”
Como tornar as Forças Armadas atrativas?
Para o general Campos Gil, a solução para atrair mais jovens para a vida militar poderá passar por duas medidas aparentemente simples.
“Antes só se entrava na GNR como sargento ou praça depois de dois anos de voluntariado de serviço militar. Se colocarmos isso a funcionar e certamente que iria trazer mais voluntários e pessoal a contrato. Outra medida seria o acesso ao quadro civil das forças armadas ser exclusivamente aberto a pessoal que servia nas forças armadas durante um ou dois anos e bastava isso!”, explica.
Faz sentido avançar para quadros permanentes (QP) de praças no Exército?
A resposta é claramente não, sublinha. “Os praças que precisamos são juventude dos 20 e poucos aos 30 anos. As unidades de combate precisam de juventude e não para estar na cozinha, no escritório ou numa secretária! A vida inteira com ordenado de soldado? quem é que quer uma vida profissional dessas?”, questiona.
Além disso, considera que a criação de QP para praças no Exército daria azo à criação de mais associações sindicais ou mesmo sindicatos.
Em jeito de conclusão afirma que as Forças Armadas enfrentam o que muitas áreas da sociedade estão a assistir também. “É como o problema da água, do aeroporto, dos transportes, os grandes projetos nacionais são adiados sistematicamente e ninguém se entende. Falta um pensamento que vai para lá da legislatura, para lá da guerra dos partidos, devíamos pensar a médio/longo prazo”, conclui.