A Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados aprovou, esta terça-feira, um diploma relativo à criminalização do enriquecimento injustificado que altera a legislação sobre as obrigações declarativas de políticos e altos cargos públicos, com alertas do PSD sobre inconstitucionalidade.
A comissão apreciou, esta terça-feira, um texto de substituição acordado pelos partidos proponentes dos nove projetos de lei (PS, PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues) relativos ao enriquecimento injustificado, ocultação de riqueza e alargamento das obrigações declarativas dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, que deram entrada no parlamento e desceram à especialidade sem votação.
A maior parte do texto comum acordado pelos vários partidos foi aprovada por unanimidade.
O CDS-PP, que no início da reunião pediu o adiamento da votação, comprometeu-se a indicar o sentido de voto posteriormente, não tendo participado na votação.
O PSD absteve-se no artigo que refere que a não apresentação da declaração de rendimentos e património, “após notificação, é punida por crime de desobediência qualificada, com pena de prisão até três anos”.
Sobre este ponto, a deputada Mónica Quintela justificou, numa declaração de voto, que o PSD se absteve porque “foi retirado do texto a intencionalidade”, ou seja, “a não apresentação intencional de declaração”, algo que o partido queria ver na lei.
Os sociais-democratas votaram também contra a norma relativa a quem “omitir das declarações apresentadas, com a intenção de os ocultar, o aumento dos rendimentos, do ativo patrimonial ou da redução do passivo, bem como os factos que os originaram”.
Mónica Quintela indicou que o PSD queria que o aumento injustificado de rendimentos fosse comunicado ao Ministério Público, e não criminalizado de imediato, o que justificou o voto contra, uma vez que não consta no texto consensualizado entre os partidos.
Lembrando que já por duas vezes, em 2012 e 2015, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional criminalizar o enriquecimento injustificado, a deputada defendeu que este diploma pode ter o mesmo destino.
“Ao ter que se declarar os factos que os originaram [os enriquecimentos injustificados], constituindo isto logo de ‘per si’ criminalização, o PSD entende que há aqui uma inconstitucionalidade e que se está a violar o tríptico garantístico da proibição de inversão do ónus da prova, de proibição da violação do princípio da presunção de inocência e da proibição do direito ao silêncio e à não auto-incriminação”, justificou.
A proposta aprovada hoje visa estabelecer que os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos devem indicar na declaração única de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos também as garantias patrimoniais de que sejam beneficiários, devendo constar “a promessa de vantagem patrimonial, efetivamente contratualizada ou aceite durante o exercício de funções ou nos três anos após o seu termo, ainda que implique concretização futura”.
E devem indicar também “os factos que originaram o aumento do ativo patrimonial, a redução do passivo ou o aumento de vantagens patrimoniais futuras, quando em valor superior a 50 vezes o salário mínimo nacional”, cerca de 33 mil euros atualmente.
Os deputados acordaram que é punido com pena de prisão entre um e cinco anos quem não apresentar a declaração mesmo após notificação, quem não a apresentar intencionalmente ou quando o aumento dos rendimentos e património e a respetiva justificação for omitido das declarações, com intenção de ocultar.
Estas novas regras, que os deputados querem que entrem em vigor na próxima legislatura, vão aplicar-se “aos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, e equiparados, que iniciem, renovem ou terminem funções” a partir da entrada em vigor desta lei.
A maioria dos partidos prescindiu dos seus projetos de lei em detrimento deste texto de substituição, à exceção de PSD e PCP.
No final da votação, o presidente da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, o socialista Jorge Lacão, afirmou que os deputados se podem “congratular” com a aprovação deste diploma e com o “enorme consenso alcançado”, seja “qual for o resultado” da votação em plenário.
Esta proposta terá ainda de ser aprovada em plenário da Assembleia da República em votação final global (o que deverá acontecer na sexta-feira) e promulgado pelo Presidente da República antes de entrar em vigor.