A onda de calor que se faz sentir no país está a afetar as viagens de comboio. Uma situação que, para a Associação de Utentes Comboios do Século XXI, devia ter sido prevista pela CP.
O recurso a viagens de autocarro em determinados troços do percurso ferroviário é uma das soluções propostas, a título “excecional”, pela associação liderada por Nuno Gomes Lopes.
“Desde o momento que se conclui que vamos ter temperaturas de 40 a 45 graus num percurso e, se os sistemas estão em falência, poderá ser sugerida uma situação excecional de, em certos troços, haver uma substituição por autocarros”, sugere Nuno Lopes.
A Associação de Utentes Comboios do Século XXI defende que, “no futuro”, os comboios devem ter “sistemas preparados para as alterações climáticas”, que permita operar em situações de calor extremo. Até, porque, lembra, “o futuro vai ser mais quente. A frota do futuro vai ter de ter isto em linha de conta”, conclui.
Em causa estão as elevadas temperaturas que levaram, na sexta-feira, a avarias em dois comboios de longo curso.
Os sistemas de ar-condicionado de dois alfas com destino a Braga e ao Porto deixaram de funcionar devido às altas temperaturas. O que revela, diz o representante da associação de utentes ferroviários, que “toda a nossa frota está velha”.
“Os comboios mais modernos são os urbanos do Porto que entraram ao serviço em 2004. Têm, pelo menos, 18 anos e são os mais novos”, conta Nuno Lopes, que dá o exemplo do Alfas Pendulares cuja renovação é feita de 20 a 25 anos. Portanto, acrescenta, “os comboios mais novos que temos já estão a caminho da renovação de meia vida”.
Contactada pela Renascença, a CP adianta que as avarias ocorridas, na sexta-feira, nos dois Alfas Pendulares já “estão resolvidas”, remetendo para mais tarde outras informações. Nomeadamente se mantém o apelo para os passageiros optarem pelas horas de menos calor para viajarem.
Ex-administrador defende entrada de privados
Em declarações à Renascença, Ricardo Bexiga, antigo administrador da CP, admite que Portugal “tem um problema na ferrovia” e defende a entrada dos privados, porque "o financiamento público é insuficiente".
“Os ciclos de investimento são muito longos, a aquisição de material circulante novo, porque obedece a regras de contratação pública e porque implica investimentos muito vultuosos, são complexos e neste momento a empresa está a gerir um parque de material circulante muito antigo, com deficiências em algumas áreas, designadamente no funcionamento do ar-condicionado”, sublinha.
Ricardo Bexiga recorda que os investimentos foram “interrompidos” com a intervenção da troika em Portugal e reconhece que o Governo está agora a implementar um plano de investimento no setor da ferrovia e na renovação do material circulante e da infraestrutura, ao mesmo tempo que anuncia a aposta na alta velocidade.
“Algum do nosso equipamento circulante está obsoleto, mas foi feita uma nova aposta nas capacidades de engenharia da EMEF e, neste momento, está a ser feito um esforço muito grande no sentido de manter as condições de funcionamento desse material circulante. Material novo demora anos a ser encomendado e construído”, afirma o antigo administrador da CP, para quem “estamos a recuperar o tempo perdido”.
Ricardo Bexiga considera que os privados devem ser chamados a entrar no setor ferroviário.
“Os investimentos no setor ferroviário são de tal forma avultados que a meu ver o financiamento público é insuficiente para suprir as necessidades urgentes que temos do ponto de vista de infraestrutura e material circulante. O mercado está liberalizado, portanto, o problema tem mais a ver com empresas privadas terem interesse em apostarem no setor ferroviário”, sublinha o antigo administrador da CP, em entrevista à Renascença.