No pico da crise de migrantes na Europa em 2015, a Alemanha foi aplaudida pela sua política de portas abertas, com imagens a correr o mundo de cidadãos a acolherem com flores e doações requerentes de asilo fugidos da guerra e devastação no Médio Oriente.
Oito anos depois, contudo, os ânimos azedaram, com partidos de todo o espectro político a competirem na apresentação de propostas para travar a migração irregular, desde acabar com os apoios a quem chega até à imposição de um limite ao número de pessoas que recebem asilo no país.
Na semana passada, o Governo de centro-esquerda anunciou a reposição de alguns controlos fronteiriços dentro do Espaço Schengen, a zona da União Europeia (UE) de livre circulação.
No mesmo dia, quarta-feira, a ministra do Interior, Nancy Faeser, pediu aos 16 estados da república federal que forneçam aos migrantes benefícios materiais em vez de dinheiro, na tentativa de dissuadir os que possam planear procurar asilo na Alemanha.
Analistas e especialistas em migrações dizem que o endurecer da postura é eleitoralista, face à ida às urnas nos estados de Hesse e da Baviera, já este domingo, e noutros três estados federais alemães no próximo ano.
A situação na maior economia europeia ameaça ter um efeito dominó em toda a UE e aumentar o peso sobre os vizinhos a leste da Alemanha, que têm menos recursos para garantir o acolhimento de migrantes e refugiados, alimentando ainda mais as tensões na região.
"O número de refugiados que está a tentar chegar à Alemanha é demasiado alto neste momento", disse o chanceler Olaf Scholz este sábado, numa clara demarcação da antecessora, Angela Merkel, cujo Governo manteve sempre como slogan "Wir schaffen das" ("Conseguimos fazer isto", numa tradução livre".
"Isto não pode continuar", destacou Scholz esta manhã em entrevista à RND.
O número de requerentes de asilo que têm chegado à UE a 27 aumentou 38% desde 2019 para quase um milhão de pessoas no ano passado, perto dos recordes de 2015 e 2016, mostram dados da Agência de Asilo da UE.
Um quarto dos pedidos de asilo recebidos até agora foi feito na Alemanha, um dos países com a mais elevada taxa de pedidos per capita. Desde o início do ano, o número de pedidos de asilo no país subiu em cerca de 80%.
Os especialistas dizem que a gota de água no país de 84 milhões de habitantes deu-se na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, na sequência da qual o Governo alemão criou um mecanismo para garantir asilo automático a cerca de um milhão de refugiados ucranianos, num momento em que a economia alemã também está em crise face aos impactos da guerra no setor da energia e outros.
Cerca de 86% dos alemães dizem-se preocupados com a questão, contra 67% no ano passado, indica um inquérito de opinião da Civey, numa altura em que as autoridades começam a debater-se com dificuldades para garantir habitação e apoios para todos.
"Há muitas crises a aproximarem-se e isso leva sempre automaticamente as pessoas a tornarem-se mais céticas quanto à migração", diz Hannes Schammann, especialista da Universidade de Hildesheim.
Debate-farsa antes das eleições?
Até há pouco tempo, os partidos que se alimentavam das preocupações quanto aos migrantes e refugiados eram os conservadores, que surgem em primeiro lugar nas sondagens, e a AfD (Alternativa para a Alemanha, extrema-direita), que seguem logo atrás em segundo.
Mas nos últimos meses, a União Democrata-Cristão (centro-direita), anteriormente liderada por Merkel, endureceu o seu tom e postura populista quanto aos requerentes de asilo sob a liderança de Friedrich Merz, indicam os analistas.
"Eles [migrantes] vão ao médico arranjar os dentes enquanto os cidadãos alemães ao lado não conseguem marcar consultas", disse Merz numa entrevista televisiva na semana passada - angariando críticas e acusações, até por um atual ministro, de que está a alimentar o ódio a migrantes, que Merz rejeita.
Com as eleições ao virar da esquina, também o Governo Scholz está a abordar concretamente o assunto, adotando uma postura mais dura.
"Com o aproximar das eleições há aqui uma consideração política, porque os partidos de direita podem usar estes movimentos irregulares [de migrantes] para sua vantagem, conquistando visibilidade e votos", diz Alberto-Horst Neidhardt, do think-tank Centro de Políticas Europeias. "Esta é uma preocupação por toda a Europa, não apenas na Alemanha."
Os analistas ressaltam, contudo, que as propostas para lidar com a crise de migrantes não são exequíveis nem eficazes. Hans Vorlaender, que integra a direção do Conselho de Integração e Migrações, dá como exemplo a reposição dos controlos de fronteiras anunciada há uma semana.
"Tem como propósito ter um efeito dissuasor, mas é altamente questionável se vai funcionar, porque as pessoas provavelmente vão simplesmente tentar chegar às fronteiras verdes", indica, em referência aos espaços de campo aberto que escapam aos controlos em estradas e ferrovias.
Para além disso, Vorlaender destaca que, mesmo que esta medida funcione, a Alemanha arrisca-se a criar um problema ainda maior para os países de trânsito. Na sequência deste anúncio, Polónia, Chéquia, Áustria e Eslováquia também já estão a endurecer os controlos nas suas próprias fronteiras.
"Infelizmente, quando não resolvemos isto nas fronteiras de Schengen, assistismos a uma reação em cadeia", disse esta semana o primeiro-ministro eslovaco, Ludovit Odor, cujo país continua a assistir a um elevado número de chegadas da Hungria.
"Para cada país isto vai traduzir-se em custos mais altos, perda de tempo, e os migrantes não vão desaparecer do território da UE."
Eleitoralismo "disparatado"?
Desde 2015, a Alemanha tem tentado reduzir o fluxo de migrantes irregulares de várias maneiras, inclusivamente fazendo forte campanha pelo acordo da UE com a Turquia que prevê mais dinheiro para Ancara em troca de ficar com os requerentes de asilo no seu território.
Em última instância, estas medidas ameaçam ter um grande impacto na reforma das leis de asilo da UE, o Pacto Migratório que a Comissão de Ursula von der Leyen quer ver aprovado até ao final da legislatura para reforçar a segurança nas fronteiras externas comunitárias e garantir uma partilha mais justa dos esforços de acolhimento entre todos, como acordado pelos Estados-membros na quarta-feira.
Na Alemanha, Schammann diz que pelo menos metade das medidas que estão a ser cogitadas são "disparates em campanha eleitoral".
"Temos de esperar para ver o que vai ficar depois das eleições."