É católico, frequentou uma escola de jesuítas e foi missionário quando era jovem, uma experiência que lhe moldou a vida. Quando estudava direito em Harvard, decidiu interromper o curso e ir viver para as Honduras, onde trabalhou com comunidades pobres e aprendeu espanhol.
Tem 58 anos, três filhos, e enquanto católico opõe-se à pena de morte e à prática do aborto. Mas, por ironia do destino, foi governador de um estado, a Virgínia, onde a pena de morte é legal e enquanto desempenhou a função teve de presidir a 11 execuções porque a isso a lei obriga. Cumpriu a sua função institucional, mas continua a bater-se para que a Virgínia acabe por abolir a pena de morte, como sucede noutros estados.
Já quanto ao aborto, rejeita-o moralmente, mas defende o direito das mulheres a decidir e acha que o estado não deve imiscuir-se nessas questões privadas. Apoiou algumas restrições enquanto foi governador, mas é a favor do financiamento do planeamento familiar. Tentou diminuir o número de abortos através de programas educativos, sensibilizando para as alternativas.
Tim Kaine, ex-vereador da cidade de Richmond, ex-presidente da Câmara da mesma cidade, ex-vice-governador da Virgínia, ex-governador do mesmo estado, ex-presidente do Partido Democrático, foi o homem escolhido por Hillary Clinton para candidato a vice-presidente dos Estados Unidos.
Actual senador federal, cargo para que foi eleito em 2012 pela primeira vez, passou por quase todos os degraus de cargos políticos. É considerado por correligionários e adversários um bom homem, sem nada de repreensível ao longo da vida, tão previsível que chega a ser considerado “chato”. Ele próprio o admite, meio a brincar, meio a sério: “Sou chato”.
Enquanto foi governador da Virgínia declarou sempre os presentes que recebeu, desde os mais insignificantes aos mais vultuosos sob a forma de viagens como meio de financiamento de campanhas eleitorais, que aceitou sem que isso implicasse contrapartidas posteriores no exercício do cargo. Tudo conforme a legislação do estado. Mas este é um ponto que os republicanos tentarão explorar na campanha.
“Nice guy”
A escolha de Hillary Clinton para seu companheiro de lista (running mate) surge assim como a mais segura, a que comporta menos riscos, a mais consensual. Um “nice guy” que não lhe deverá trazer preocupações nem problemas.
Mas será Tim Kaine um sensaborão que nem se vai notar na campanha? Talvez nem tanto. A sua actividade como jovem advogado e o número de cargos para que já foi eleito mostram que tem sido um lutador. É um progressista com uma grande costela pragmática, como revelam os casos da pena de morte e do aborto.
Mas também o caso do comércio livre. O senador é favor do comércio livre, apoia o NAFTA, acordo de livre comércio com o Canadá e o México, e apoia o acordo comercial com o Pacífico (TPP), que ainda não entrou em vigor. No entanto, bateu-se para que eles causassem o mínimo de danos entre os sectores económicos mais afectados pela concorrência externa, nomeadamente apostando na formação profissional. E parece ter conquistado, nessa luta, a simpatia dos sindicatos.
Este é um aspecto em que a sua posição diverge da de Hillary Clinton, que já defendeu o TPP, mas na campanha das primárias, pressionada por Bernie Sanders e pela esquerda do partido, mostrou-se crítica e passou a advogar a sua revisão. Uma divergência na equipa que os republicanos tentarão certamente explorar.
Kaine começou a ser falado para possível vice-presidente na lista de Clinton há bastante tempo, mas não foi a primeira vez que tal sucedeu. Em 2008, o candidato Obama também pensou nele para a mesma função, mas acabou por optar por Joe Biden.
Então, Kaine foi um dos primeiros a manifestar o seu apoio ao senador negro que ousava avançar para a presidência dos EUA. Ficaram amigos e Obama desta vez recomendou-o a Hillary, que ele também foi dos primeiros a apoiar nesta corrida. Era ainda a escolha de Bill Clinton. Tudo batia certo.
Vantagens e desvantagens
E que vantagens políticas traz Tim Kaine para o “ticket” democrático? Duas-em-uma antes de mais: é católico e fala espanhol, atributos excelentes para conquistar o eleitorado latino, a maior minoria do país, com cerca de 17% da população. Foi, aliás, o primeiro a discursar em espanhol no Senado, onde integra a Comissão de Relações Externas e a Comissão das Forças Armadas.
Numa eleição em que o opositor republicano hostilizou os latinos, não parece difícil o “ticket” democrático conquistar esta minoria de forma esmagadora, como aliás assinalam as sondagens.
Depois, vem de um estado que era tradicionalmente republicano, mas que nos últimos anos tem votado mais democrata, um “swing state”. Vizinha de Washington DC, a Virgínia tem visto aumentar a sua população e a taxa de urbanização, funcionando a parte norte do estado cada vez mais como subúrbio da capital federal, o que alterou o quadro político.
Obama conquistou-a nas duas vezes em que se candidatou. A popularidade de Kaine garante praticamente este estado para os democratas em Novembro, onde as sondagens dão uma vantagem de dois dígitos a Hillary sobre Trump.
O facto de ser um homem branco, com formação universitária, e considerado moderado politicamente, pode ainda ajudar Clinton a penetrar mais neste eleitorado, onde Trump lidera as sondagens. Homens brancos independentes são um segmento eleitoral muito importante que nenhum partido quer negligenciar e onde Hillary tem pouco apoio.
E que desvantagens poderá trazer Kaine? A sua moderação e pragmatismo tornam-no mal visto entre a ala esquerda do partido que, este ano, graças à mobilização conseguida por Bernie Sanders, está muito activa.
A expectativa entre estes activistas era que Hillary escolhesse alguém mais à esquerda, como por exemplo a senadora Elizabeth Warren. A escolha de Kaine frustra estes activistas e pode desmobilizá-los para a campanha e para votar em Novembro.
Mas entre a ala esquerda há também quem defenda o senador por causa das batalhas que travou ao longo da vida como defensor dos direitos dos desprotegidos, sobretudo da minoria negra, em causas judiciais pro bono. Assim como por causa da boa relação que tem com os sindicatos.
Mas as suas posições favoráveis aos acordos comerciais internacionais, que Sanders tanto criticou na campanha, colocam-no sob o fogo da ala esquerda do partido.
Resta saber se a eventual abstenção de parte deste eleitorado será compensada pela conquista de eleitores moderados no centro do espectro político, que esta escolha de Tim Kaine parece ter como objectivo.
Numa eleição em que o programa político surgirá a muitos eleitores como demasiado à esquerda por via das pressões de Bernie Sanders, equilibrar essa imagem recrutando um moderado para seu vice-presidente parece tacticamente arguto. Em Novembro ver-se-á se resultou.