Esta terça-feira ficou a saber-se que há habitantes de Idães, freguesia de Felgueiras, local onde se registam o maior número de casos de coronavírus em Portugal, que não estão a respeitar a quarentena que foi decretada.
“A todos os que se encontram em quarentena, percebam que não devem sair de casa!”, lê-se na rede social Facebook daquela Junta de Freguesia.
A Renascença tentou obter respostas à forma como a quarentena é decretada, aplicada e penalizada através do presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, do documento de contingência publicado pelo Governo e através de um artigo publica na revista científica da Ordem dos Médicos.
O que é a quarentena?
O documento do Governo explica que a quarentena ou isolamento de contactos refere-se “à separação ou restrição de movimentos e de interação social de pessoas que possam estar infetadas com SARSCoV-2, porque estiveram em contacto próximo (não protegido) com caso confirmado 24 de COVID-19, mas que se mantêm assintomáticas”.
Qual o objetivo?
O objetivo desta medida, segundo o mesmo documento, é impedir o estabelecimento de cadeias de transmissão e atrasar o início da transmissão comunitária disseminada, podendo justificar-se a sua implementação, de acordo com o nível de exposição do contacto, durante a contenção
Em que casos é que se pode declarar quarentena?
Segundo o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, dependerá de instrumentos ao nível da autoridade de saúde, ou até do Governo, “numa norma mais abrangente e poderá implicar que as pessoas se mantenham em casa em isolamento.
O mesmo especialista fala de dois cenários: as pessoas doentes que devem manter-se em isolamento por terem um quadro que é passível de ser gerido clinicamente nos seus domicílios, ou a das pessoas que estiveram em contacto, ou seja, aquelas estão em isolamento apesar de não terem manifestações de doença.
O isolamento, quando tecnicamente justificado, pode ser aceite voluntariamente ou, em situações de recusa, ser determinado pela Autoridade de Saúde. As situações desta natureza que ocorram fora do contexto de declaração do estado de emergência, devem ser previstas e tipificadas.
Já existe um mecanismo para que as autoridades de saúde possam emitir uma declaração que permite ressarcir as pessoas do ponto de vista laboral para que não percam a remuneração.
E quem pode determinar quarentena a uma freguesia, ou concelhos?
A estrutura da saúde pública tem uma hierarquia nacional, regional e local. Em função da escala a que estamos a falar, assim poderá ter diferentes determinações. Este poder discricionário da saúde das populações que a autoridade de saúde usufrui é algo que deve ser aplicado em função da dimensão necessária.
Qual a duração do isolamento?
A duração do isolamento deve ser, de acordo com o conhecimento atual, de 14 dias desde o último contacto com o caso confirmado de COVID-19, podendo variar à medida que se for tendo mais conhecimento sobre o período de incubação e período de contágio do vírus.
No caso de isolamento dos elementos do agregado familiar, a sua duração pode ser alargada por mais um período de incubação se outro membro do agregado familiar vier a ser um caso confirmado de COVID-19.
No caso de Fiães, há o relato pela Junta de Freguesia de pessoas que continuam a passear pelas ruas. Então, o que podem ou não podem fazer as pessoas durante uma quarentena?
O pressuposto de as pessoas estarem em isolamento é não ter contactos com outras pessoas, colocando em risco de contraírem a infeção. Isso aplica-se às pessoas que estão doentes.
As pessoas que não têm sintomas, mas estiveram em contato, esse risco é um pouco mais baixo. No entanto, estando em isolamento devem evitar o contacto social com terceiros, e isso inclui à rua para terem algum tipo de ação social. Mas deve haver um cuidado relevante no próprio domicílio para não expor os outros coabitantes de um risco que se está a tentar evitar.
Que cuidados deve ter quem está em isolamento no domicílio?
Se as pessoas estão com sintomatologia devem tossir para a prega do cotovelo. Utilizar lenços descartáveis, higienizar as mãos com frequência, e higienizar as superfícies que podem ser manipuladas. Há ainda que manter o isolamento social para evitar a interação com outras pessoas, e manter o distanciamento de um a dois metros para reduzir a potencialidade de dispersão da doença.
Mas se faltarem medicamentos, alimentos e bens essenciais a vida, como é que as pessoas podem suprir essas necessidades?
O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, sugere que a implementação de um apoio social, ou comercial em que “as pessoas podem ter os bens distribuídos ao domicílio, reduzindo a possibilidade de haver interação social com terceiros”.
“Isso pode ser feito através dos serviços de entregas”, argumenta. Há já várias autarquias que têm serviços e alimentação ao domicílio, e equipas de cuidados domiciliários. Há também mecanismos que já existem e outros que deviam ser criados.
“Talvez tenham de ser dimensionados e adaptados para suprir as necessidades”, diz Mexia.
Como se pode garantir que as medidas decretadas são cumpridas?
Depois de a Autoridade de Saúde decretar cabe às forças de segurança implementá-las.
Qual a pena para quem não cumprir?
Num artigo publicado na revista científica da Acta Médica Portuguesa, pode ler-se que a nível de direito penal, é de realçar o artigo 283.º do Código Penal que prevê o crime de propagação de doença contagiosa, estabelecendo pena de um a oito anos de prisão para quem propagar doença contagiosa e criar, deste modo, perigo para a vida, ou perigo grave para a integridade física de outrem.
No entanto, a aplicação de pena depende de decisão judicial que avalia as circunstâncias agravantes e atenuantes no âmbito do processo de investigação criminal. Esta lei não deve por isso ser considerada suficientemente ágil para a intervenção preventiva de saúde pública, apesar do desejável efeito dissuasor.
Em último caso pode ser determinada medida de coação judicial, de modo a evitar a continuação da atividade criminosa e acautelar a ordem e tranquilidade públicas (artigo 204.º, alínea c), e 202.º, do Código de Processo Penal). Essa medida permite levar o indivíduo a julgamento e a posteriores medidas de tratamento/isolamento compulsivo.