O que tem de tão grave o incumprimento por parte de Portugal e Espanha dos limites fixados nos Tratados que justifique a adopção de medidas que, nas 165 ultrapassagens anteriores, nunca foram aplicadas? Nada. A não ser a necessidade de evitar que Espanha repita o cenário “Geringonça”.
Sanções zero resolvem a injustiça? Não. Elas não agravam o défice de 2016, mas aumentam, na mesma, a desconfiança nos mercados constituindo mais uma ameaça à retoma. Exactamente o que se deveria evitar.
Centeno já preparou o terreno para clamar vitória, mas as chamadas “sanções zero” são uma inexistência. É evidente que será bastante menos mal do que a condenação de Portugal ao pagamento de uma multa efectiva até ao limite dos 360 milhões.
Isso agravaria directamente o défice que se quer desagravar. Se lhe acrescentarmos a possibilidade de os fundos estruturais serem congelados (em 50% como previsto nos Tratados) pode ser ainda pior. Reduz o investimento em queda travando ainda mais o crescimento. Mas, mesmo que isso seja evitado, haverá sempre “danos reputacionais”.
Basta ler o resumo da nota divulgada pelo Barclays aos investidores que o “Jornal de Negócios” divulgou esta terça-feira para ver a forma cada vez mais negra com que se olha o futuro da economia, prevendo que o crescimento fique praticamente estagnado em 2016 (1%) com um défice de praticamente o dobro do prometido (acima de 4%).
Teme-se o excesso de endividamento privado e público e já se fala de uma crise bancária de características “sistémicas”, o que justifica que os mercados comecem a estar nervosos. Só não estão mais, porque acreditam que o BCE vai continuar a comprar a nossa dívida ao ritmo de 1,4 mil milhões ao mês nos próximos tempos e não esperam que o rating concedido ao país pela DBRS seja revisto em baixa.
Claro que a exigência de um plano B poderia ajudar a credibilizar a estratégia nacional e comprometeria bastante mais o Governo com um cenário consistente de correcção dos desequilíbrios – desse ponto de vista, o plano B exigido por Bruxelas até poderia servir para os acalmar.
Mas até que ponto o rating resiste ao mecanismo sancionatório hoje iniciado formalmente? E em que medida mais austeridade não vai afundar ainda mais a tímida retoma sedenta de novo investimento? E quem vai investir num país que Bruxelas acusa publicamente de estar numa espécie de “negação” da necessidade de reformas estruturais?
As sanções que visam garantir a confiança na moeda comum arriscam-se, assim, a ter efeito contrário. António Costa tem efectiva razão quando diz que as sanções, além de “injustificadas”, são” altamente contraproducentes”, tanto mais que nos últimos anos o défice passou de quase 9% para pouco mais de três e este ano ficará nesse limite, na pior das hipóteses prevista pela Comissão Europeia.
Convenhamos que depois de a Comissão ter confirmado o incumprimento de Portugal e Espanha, sugerindo que estavam reunidas as condições para a aplicação de sanções (sem recomendar nenhuma sanção concreta), a margem de manobra do Conselho estava definitivamente reduzida. Só a formação de uma maioria qualificada podia travar o procedimento por défice excessivo já não bastando a minoria de bloqueio. Sem isso restava a decisão de avançar para as sanções e daí a unanimidade.
Senão estivesse em jogo a Espanha a decisão seria igual? É quase certo que não. Mesmo que a situação dos dois países seja totalmente diferente.
No caso espanhol, o crescimento foi superior a 3% em 2015 e este ano será revisto em alta. Por cá, os 1,8% inicialmente previsto já são inalcançáveis, a economia praticamente estagna e cresce bastante menos do que no ano passado. O risco de regresso à recessão e a necessidade emergente dos fundos estruturais neste ano (já assegurada!) mas, sobretudo, no próximo só se aplica a Lisboa.
O que une então os dois países e exclui a França do mecanismo sancionatório é o facto de os dois países ibéricos não só terem ultrapassado os míticos 3% de défice “nominal” como, e sobretudo, o de não terem adoptado as chamadas “medidas efectivas” para evitar o desvio.
Ou seja, em vez de reduzirem num mínimo de 0,5% o défice estrutural (sem medidas excepcionais nem efeitos de conjuntura), tal como estipulam as regras do Tratado terem até registado um aumento neste indicador. No caso português, o défice estrutural além de se ter agravado com a gestão Passos Coelho volta a agravar-se com Costa e nem sequer está previsto que se consiga reduzir nos próximos anos.
Espanha é um caso diferente também aqui. O agravamento deve-se sobretudo às medidas eleitoralistas do último ano o crescimento forte previsto para futuro dá, apesar de tudo, alguma margem de manobra para alguma contracção.
Já a França salta fora do critério porque tem melhorado de forma estrutural as respectivas contas públicas, quer no passado quer na previsão para o futuro, como o comissário responsável fez questão de sublinhar. Resumindo, não se trata de não castigar Paris apenas porque “a França é a França!”. Valha-nos isso.
Lisboa não sendo Lisboa, também passaria mais uma vez pelos pingos da chuva (até porque a “geringonça” interna tem, até agora, a folha de Bruxelas quase imaculada…).
A não sanção era possível não fosse a Espanha ser a Espanha e o risco de uma solução de Governo à portuguesa constituir uma séria ameaça.
Mostrar o “amarelo” ao PP funciona como mostrar o “vermelho” ao PSOE e limitar as ambições do Podemos pondo fora de jogo, todas as eventuais composições de um futuro Governo em que a Esquerda apareça em maioria.
Centeno não poderá alegar a seu favor que o défice de 2,7% previstos pela Comissão (correspondendo aos 2,2% prometidos pelo Governo) será cumprido como forma de evitar sanções. Para que a Comissão considere que as “medidas efectivas” estão a ser adoptadas” falta a apresentação do chamado “plano B. As medidas capazes de forçar a quebra adicional dos 0,6% (perto de 750 milhões de nova austeridade) no défice estrutural.
Como, a esgotarem-se todos os prazos, o processo sancionatório se vai prolongar até Setembro, não é crível que estas medidas ainda venham a vigorar em 2016. Até porque quase nada podia ser adoptado em três meses com o efeito pretendido.
Não se acredita que Bruxelas exija medidas radicais ao estilo FMI e essas são as únicas que sobram: não pagamento do 13º mês, aplicação de imposto excepcional etc… Ou seja, talvez Centeno possa escapar este ano, afirmando com razão que o rumo se mantém.
Sobra essencialmente um compromisso para futuro tão concreto e discriminado que não levante dúvidas sobre a dose de austeridade a aplicar já em 2017. Um compromisso que não deixará margem de manobra a veleidades despesistas de bloquistas e comunistas a incluir no esboço orçamental a apresentar em Bruxelas para 2017.
A vida de Costa na gestão do futuro do seu Governo não será fácil, mas a de Centeno ficará ainda mais difícil. Resta saber quanto tempo vai resistir o ministro das Finanças ou se será ele por ironia a primeira vítima da ortodoxia de Bruxelas.