Não tens o direito de me levar para o teu suicídio
03-02-2017 - 06:19

O suicídio é um mal absoluto que espalha a dor de forma única entre os vivos, mas a verdade é esta: todos os seres humanos têm à sua disposição essa liberdade radical.

Não, meu caro amigo, não podes levar o debate da eutanásia para o campo da liberdade individual. Não estamos a falar de liberdade de escolha, de vouchers para escolas ou de seguros de saúde. Estamos a falar de morte.

Quando dizes “eu quero a liberdade para escolher a hora da minha morte”, entras de cabeça num terreno movediço e egoísta. Sim, egoísta. Só estás a ver o teu reflexo narcísico, estás a pensar a partir do pressuposto de que controlas 100% da tua vida, é como se fosses um pequeno deus que decide tudo sozinho sobre si mesmo. Será que também nasceste sozinho? Foste criado por geração espontânea num acto da tua própria vontade quando ainda estavas no estado gasoso? Como mergulhaste tão fundo neste lago narcísico, esqueces que o teu desejo de eutanásia entra no perímetro da liberdade de outras pessoas, a começar nos médicos, a começar nos outros cidadãos que teriam de aceitar viver num estado que não sacraliza a vida.

Mas continuemos a falar da tua liberdade. Tu tens toda a liberdade do mundo para cometer suicídio. Nem sabes nem sonhas como é fácil. O suicídio é um mal absoluto que espalha a dor de forma única entre os vivos, mas a verdade é esta: todos os seres humanos têm à sua disposição essa liberdade radical.

Tu, meu caro amigo, podes suicidar-te. Tens essa liberdade. Não tens é a liberdade para me chamar para esse suicídio, não tens é o direito de me convocar para a tua morte. A minha liberdade de consciência é tão importante como a tua, e o que me parece espantoso neste debate é que está tudo centrado em quem quer morrer. O pormenor decisivo está a ser esquecido: alguém tem de apertar a seringa até ao fim, alguém tem de matar.

Não, não fujas da palavra: é matar. Não é “dar morte digna”, não é “a morte como escolha”, não é “anular”, “acabar”, “por fim”. É matar. E repara que te respeito. Não estou a dizer que é “assassinar”. Quem defende a eutanásia não está a defender o homicídio. Já li e ouvi posições do campo do “não” que cometem este excesso retórico. Não faz sentido. A eutanásia entra num campo ambíguo, remete para situações difíceis e cinzentas que toda a gente já sentiu. Mas, se não posso dizer que “eutanásia” é sinónimo de “homicídio”, posso e devo dizer que a lei que tu desejas abre a porta a homicídios de facto. Não, não estou especular. Estou apenas a olhar para a realidade da Bélgica e da Holanda, esses paradigmas do “progresso” que é cada vez mais um disfarce do regresso da barbárie pagã. Queres um exemplo? Dezenas e dezenas de doentes mentais estão a ser atirados para a eutanásia por psiquiatras.

Ora, se a eutanásia é uma escolha consciente e livre, como é que pessoas inimputáveis (isto é, incapazes de escolhas conscientes) são atiradas para as salas da eutanásia? Isto não é só um absurdo lógico, é um conjunto de homicídios.

Meu caro amigo, repara portanto na caixa de Pandora que a tua lei pode abrir. Não, já não estou a falar do teu suicídio higiénico e planeado como se fosse um business plan. Estou a falar de psiquiatras que atiram pessoas (jovens e crianças incluídas) para as salas de eutanásia. Estamos muito longe dos tetraplégicos ou da oncologia terminal, estamos a falar de pessoas com doenças mentais que são assassinadas não se sabe bem porquê.

Nos últimos dois anos e só na Bélgica, o sistema matou 5 pessoas com esquizofrenia, 5 com autismo, 8 com desordem bipolar, 29 com demência e 39 com depressão. Repara no absurdo: se tivessem cometido um homicídio, estes doentes mentais teriam sido considerados inimputáveis por razões óbvias. Então como é que acabaram na sala de uma eutanásia que dependia – em teoria – de uma imputabilidade moral e jurídica que eles já não tinham? Não, não me venhas com a conversa da liberdade de escolha, não me chames para a tua morte e, acima de tudo, não abras a porta à barbárie já visível na Bélgica e na Holanda. Não podes dizer que não sabias.