Zé Pedro em frases. “O rock'n'roll é um estado de espírito, e uma pessoa ou sente ou não sente”
30-11-2017 - 18:09

O punk, o rock, o homem do "showbiz". Guitarra na mão, ancas arqueadas, sorriso nos lábios e um olhar que parecia cair em cada um de nós. Zé Pedro marcou e marcará. Um ícone para a história em discurso directo.


Teve uma vida cheia. De tudo. De experiências, de lugares, de pessoas, de sucesso, de insucesso, de amor. Um senhor do rock cujo o carisma era forte. Fortíssimo. Quase magnético.

Em 17 frases, recolhidas de entrevistas ao "Blitz", "Diário de Notícias" e ao Sapo, o mago do música portuguesa leva-nos a Timor, entramos num interrail, ouvimos Ramones, escutamos o "Circo de Feras" e passamos no Bairro Alto para o início de "Remar Remar". Zé Pedro para a eternidade.

O que é o rock'n'rol?

"O rock'n'roll é um estado de espírito, e uma pessoa ou sente ou não sente. Não é preciso ser músico para se sentir, tem que ver com aventura. Pode ter que ver com uns certos limites na vida, mas tem, acima de tudo, que ver com a realização pessoal de uma vida mexida."

O dia em Miles Davis quase o fez desistir

"O primeiro músico que vi em cima de um palco foi o Miles Davis. Deixei de ter aquele apetite de ser músico depois de vê-lo: 'Eh pá! Isto dá muito trabalho, chegar aos calcanhares de uma coisa como esta.' Na altura não havia o punk rock, movimento a que tive oportunidade de me ligar mais tarde, quando já tinha ouvido os Ramones. No meio dos Weather Report e do Miles Davis, aquilo mexeu muito comigo. E depois de ver a atitude dos músicos em palco pensei: "Isto consigo fazer e quero fazer."'

A vida em Timor

"As minhas experiências passavam por andar atrás de bichos, a tentar encontrar cobras e lagartos, e por divertir-me na caserna com os magalas. Como era filho do senhor capitão, lá me tratavam bem. Mas foi muito produtivo: não só os quatro anos que passei lá, como a saída, a viagem de barco. Tenho ideia de, com sete anos de idade, ver pela primeira vez uma cidade, coisa que em Timor não havia. Díli era uma aldeiazeca quando o barco parou perto de Hong Kong, para mim foi uma descoberta brutal."

A relação com o pai

"Pelo que é descrito nos livros, o pai do Jim Morrison era muito autoritário, em relação à mãe e aos filhos. Isso nunca aconteceu com o meu pai, que sempre foi super respeitador da minha mãe e dos filhos. Intervinha quando tinha de intervir e, no resto, era uma figura mais cultural do que militar. Não senti qualquer tipo de repressão. Quando se apercebeu do meu fascínio pela música, ajudou-me a decifrar algumas coisas."

O punk e o “do it yourself”

"O punk rock teve isso de muito bom, para uma geração a nível mundial, o 'do it yourself'. As pessoas puderam furar as barreiras culturais, até aí bastante fortes. Como isso de querer ser músico e achar impossível chegar ao dedo mindinho do pé de músicos como o Miles Davis. Podias ter outra atitude perante a vida e a música, perante o sonho que querias realizar."

Os discos que chegavam do estrangeiro e os Ramones

"No meio das encomendas que fazíamos, a certa altura mandei vir o primeiro disco dos Ramones, sem saber o que era. Só tinha lido uma noticiazita penso que na Rock & Folk, e quando fomos ouvir ficámos: "Eh lá! Está aqui uma coisa completamente diferente!'."

Política?

"Tive amigos que me tentaram aliciar para pertencer a movimentos políticos, como a LCI (Liga Comunista Internacional), mas não tinha pachorra. No punk, ninguém pensava que estava a modificar as coisas, queríamos era vivê-las. Não tínhamos um projecto de construir um Portugal novo, aliás, eu vivi a festa do 25 de Abril até os Xutos começarem em 1979. [risos]"

O 1º de Maio

"Foi uma coisa fabulosa, uma adrenalina, um ambiente de festa enorme, não há descrição. Como já disse, eu nunca senti repressão até ao 25 de Abril, e quando chego ao 1º de Maio, para mim era uma festa geral. Adorei, foi incrível."

O sucesso

"Quando chegámos ao 'Circo de Feras', tínhamos a certeza de que ia resultar. Quando o 'Contentores' começa a passar muito e passamos a ser reconhecidos, não nos afecta muito. Não foi inesperado. Queríamos era gravar o álbum a seguir."

Remar, remar

"Depois de uma noite de copos no Bairro Alto, no Gingão. Eu e o Tim estávamos a conversar e foi aí que surgiu a frase que depois escolhemos para título do álbum."

Como ser uma grande banda

"Tinha essa noção de que, para chegarem a patamares elevados, os grupos têm de crescer todos os anos. As pessoas podem dizer que já nos viram no ano passado, mas tem de se incutir a ideia do «este ano ainda não vi."

CR7 é rock

"Eu considero, por exemplo, o Cristiano Ronaldo um rock'n'roll. Pode nem ouvir rock'n'roll, mas corre-lhe na veia. Quando o conhecer, hei-de lhe dizer isto..."

Zé Pedro e as miúdas

"Na altura, as festas de garagem eram duas horas de 'shake', para aquecer, e uma hora de 'slows'. Era para dançar parado, com a mão atrás da rapariga e um cigarro na boca, decorando uma ou outra canção, normalmente o 'Father and Son', do Cat Stevens, para lhe cantar ao ouvidinho e ela se encostar um pouco mais. Mas elas depois metiam os travões..."

Os abusos

"Abusei muito. Foi a fase do sexo, droga e rock'n’roll. Aproveitei bem este lema e acabei por pagar a factura da pior maneira. Não sinto rancor com o meu passado. Vivi o que vivi. Claro que temos de assumir as consequências dos nossos actos, assumir as responsabilidades."

Conselho aos jovens

"Os jovens devem ter uma personalidade cada vez mais forte para dizer não às tentações e não se deixarem levar pelo princípio de que se tem de experimentar tudo na vida. Isso não é verdade. Há que saber seleccionar os amigos e as actividades que nos fazem bem."

O fim dos Xutos?

"Quando isso surge, o Tim enxota logo [a ideia]. "Nem pensar, quando tiver de ser, é. Ninguém dá por nada e acabou». E acho que é assim que as coisas têm de ser encaradas. Naquele período de impasse em 1990, se nos temos reunido para falar e disséssemos «vamos acabar com isto?», se calhar tinha acabado, sendo mais tarde retomado ou não."

À beira da morte

"Foi em 2001 parei os consumos todos: de álcool, drogas e tabaco. Foi um ano terrível de confusão, de consumos, de não ter saída. Às vezes lembro-me de um turbilhão de coisas que me passava pela cabeça. Tem de ter um fim. Não vou aguentar muito mais. Houve uma hemorragia enorme e eles quase me deram como morto. Mas eu tive a certeza que ia sobreviver. O Eduardo Barroso disse que o fígado nem para um patê dava."