A convenção para oficializar a escolha de Donald Trump como candidato do Partido Republicano à Casa Branca arranca esta segunda-feira em Cleveland, no Ohio, e prolonga-se até quinta-feira.
Na próxima semana será a vez de se reunir, em Filadélfia, a convenção democrática para consagrar Hillary Clinton.
Serão quatro-mais-quatro noites de discursos e “entertainment” mediático que têm como objectivo principal alimentar o “prime time” televisivo. Preparadas, encenadas e realizadas essencialmente para a televisão, as convenções são momentos de exposição mediática ímpar para os dois grandes partidos políticos americanos.
Durante quatro noites consecutivas cada uma delas hegemoniza o “prime time” televisivo no cabo e os estudos de opinião dizem que muitos milhares de eleitores decidem a sua opção de voto nestas duas semanas de desfile político quase ininterrupto a cerca de três meses das eleições. Por isso, os partidos não descuram o mínimo pormenor e tentam fazer das convenções exibições de força e de unidade, jogando com as emoções muito mais do que com a razão.
A convenção republicana deste ano, contudo, será algo diferente do habitual, reflectindo o facto de o próprio candidato do partido a presidente ser um homem com características também diferentes dos candidatos convencionais.
Porque boa parte da popularidade que tem foi ganha na televisão, graças a um concurso no melhor estilo de “reality show”, Donald Trump montou um espectáculo que vai passar pela exibição de vedetas do mundo mediático e da cultura pop, que partilharão o palco com a família do candidato e com os políticos republicanos que aceitaram discursar.
No primeiro grupo estarão desde vedetas desportivas do boxe ou do beisebol até actores de “soap operas”, passando por designers de roupa interior de Calvin Klein. No segundo, toda a família de Trump usará da palavra, desde a actual mulher aos filhos dos vários casamentos que teve. No terceiro grupo, integram-se os correligionários do partido que anuíram em participar na convenção e exprimir o seu apoio ao candidato.
E este é justamente o calcanhar de Aquiles da convenção na medida em que, ao contrário do que é habitual, muitos dos mais destacados dirigentes republicanos não vão aparecer em Cleveland, demarcando-se assim da escolha feita pelo partido.
Trump é o candidato mais divisivo que algum dos dois partidos americanos já apresentou à Casa Branca e as discordâncias entre os republicanos vão desde a demarcação discreta à oposição aberta e militante.
Foi no seio dos republicanos que surgiu um movimento denominado “Trump nunca” com o objectivo de impedir a escolha do multimilionário. Embora não tenha tido sucesso, alguns dos seus activistas estarão em Cleveland, mas não na convenção, para atrair a atenção dos media e manter a sua contestação ao candidato.
Quem também vai aparecer em Cleveland é o governador do estado, John Kasich, mas não irá à convenção. Kasich concorreu às primárias contra Trump e apenas venceu no seu próprio estado, o Ohio, e era o mais moderado dos candidatos. Após o fim das primárias, Trump não fez qualquer esforço para o convencer a juntar-se às suas fileiras, desperdiçando assim a popularidade de um governador de um estado decisivo para as eleições de Novembro.
Sem presidentes
Mas haverá ausências de maior peso ainda. Antes de mais, nenhum dos dois presidentes republicanos vivos aparecerá em Cleveland. Nem Bush pai, nem Bush filho. Nem o Bush que concorreu às primárias, Jeb. O mesmo fará Mitt Romney, candidato do GOP há quatro anos, que tem feito as críticas mais implacáveis a Trump. Também o senador John McCain, candidato do partido há oito anos, que Trump apoucou enquanto herói de guerra no Vietname, primará pela ausência. Outros senadores farão o mesmo: Lindsey Graham, da Carolina do Sul, Lisa Murkowski, do Alasca, Steve Daines, do Montana, Jeff Flake, do Arizona, e Tim Scott, da Carolina do Sul. Tal como a governadora deste estado, Nikki Alley.
Caso alguns destes dirigentes do partido comparecessem em Cleveland teriam de falar em “prime time”. A sua ausência abriu oportunidades para as vedetas mediáticas já referidas e para toda a família de Trump.
Haverá, apesar de tudo, figuras com destaque na convenção. O primeiro deles é Paul Ryan, o “speaker” da Câmara de Representantes, que é também o presidente da convenção. Mitch McConnell, o líder da bancada republicana no Senado, também falará, bem como alguns dos vencidos nas primárias: Marco Rubio, Chris Christie, Ben Carson, Mike Huckabee e Ted Cruz.
Este último terá sido o mais difícil de convencer, já que Trump o apelidou durante a campanha de “Ted, o mentiroso” e até disse que o pai dele teria estado envolvido no assassinato do presidente Kennedy. Cruz reagiu de forma muito violenta, mas entretanto terão feito as pazes ao ponto de Trump ter substituído o “mentiroso” por um “bom tipo” quando no sábado apresentou o seu candidato a vice-presidente. Veremos o que diz Ted Cruz na convenção, mas qualquer elogio a Trump soará muito estranho à luz da linguagem de ruptura que usou quando o multimilionário se referiu ao seu pai.
O governador do Wisconsin, Scott Walker, o antigo “mayor” de Nova Iorque, Rudy Giuliani, e o antigo “speaker” da Câmara de Representantes nos anos 1990 e potencial candidato a vice-presidente na lista de Trump, Newt Gingrich, também terão direito a “prime time”, assim como Mike Pence, naturalmente, o governador do Indiana que Trump acabou por escolher como seu companheiro de lista.
Segurança interna e externa
O programa só foi fechado este domingo, já que Trump quis manter em aberto várias hipóteses até à última hora. Um tópico que vai ser explorado é a questão da segurança nacional, já que o candidato tem repetido nos últimos dias que representa a lei e a ordem, acusando a administração Obama/Clinton de não ter soluções para combater o terrorismo internacional e a violência interna.
Dois operacionais que sobreviveram aos acontecimentos de Benghazi vão subir ao palco certamente para responsabilizar Hillary pelo que sucedeu naquela cidade líbia. Recorde-se que, em Setembro de 2012, quando Clinton era secretária de Estado, instalações americanas na cidade foram atacadas por grupos armados locais na sequência de uma manifestação, tendo morrido quatro americanos, incluindo o embaixador Christopher Stevens.
A convenção terá os rituais habituais, mas também algumas originalidades. A segurança foi altamente reforçada e a área de acesso restrito vai até quase três quilómetros do pavilhão. As autoridades proibiram coisas como bolas de ténis, lâmpadas, aloquetes, mas não as armas. Embora não se possam levar armas para o pavilhão, o estado do Ohio tem uma legislação que autoriza o porte livre de armas em público. Trata-se de um direito que só pode ser restringido em áreas especiais e por tempo limitado.
Ou seja, num país que, nas últimas semanas, foi fustigado por uma onda de violência armada inusitada (ainda este domingo foram mortos mais três polícias em Baton Rouge, Luisiana), qualquer pessoa pode ter uma arma consigo, excepto na área da convenção. Uma situação que preocupa muito a polícia até porque estão previstos protestos e há manifestações convocadas para contestar Trump.
Habitualmente, na semana em que decorrem as convenções os respectivos candidatos sobem nas sondagens. É esse, aliás, o principal objectivo do evento, já que a exposição televisiva é maior do que nunca. Ao entrar desta semana, Trump surge atrás de Hillary Clinton em três sondagens. A do Washington Post/ABC dá-lhe quatro pontos de desvantagem (47-43), a da CNN dá-lhe sete pontos de desvantagem (49-42), e a do Wall Street Journal/NBC coloca-o a cinco pontos de Clinton (46-41). Diferenças relativamente pequenas que poderão ser recuperadas ou mesmo invertidas no final da semana se o efeito produzido pela convenção for aquele que o candidato deseja.
Mas na semana seguinte começa a convenção democrática e as coisas poderão inverter-se de novo. As sondagens de Agosto clarificarão certamente os efeitos das convenções no eleitorado.