É a sua estreia na publicação de livros, e é também a primeira vez que dá uma entrevista, mas Simão Lucas Pires sabe ao que vem. Confessa que sente “necessidade de escrever” desde muito novo. O apelido não esconde que provém de uma família onde se escreve, ou não fosse o seu irmão o escritor Jacinto Lucas Pires e revela que cresceu “numa casa com livros e com grande gosto pela literatura”.
“A Trombeta Vaga” (ed.Quetzal) é o livro que está a lançar num dos mais destacados encontros literários, o Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim. Em entrevista à Renascença, o autor, formado em Filosofia, começa por explicar que o livro reúne oito contos que não têm a “pretensão” de ser um fresco da sociedade, mas são antes histórias que nasceram “de vidas concretas e de momentos aparentemente até banais e a partir de algum acontecimento forte na vida dessas personagens”. Para si, os contos levantam “questões mais importantes.”
Questionado sobre o título, Simão Lucas Pires explica que tem uma inspiração bíblica. “A trombeta na Bíblia, no Antigo Testamento e depois no Novo Testamento, e também no Livro do Apocalipse tem muito o sentido de alguma coisa que anuncia uma revelação importante. E é uma trombeta vaga, porque exatamente o que quis explorar de maneiras diferentes, nos diferentes contos é isto de haver na nossa vida momentos em que percebemos alguma coisa, aquilo que tomamos por evidente não é assim tão evidente, ou que ela pode corresponder a alguma coisa maior do que os horizontes estreitos em que nos enfiamos, mas muitas vezes essa compreensão é vaga e não percebemos muito bem”.
Deus é de resto um nome que surge com frequência nos contos, mas Simão Lucas Pires explica que não tem qualquer intenção “catequética”. Depois de admitir à Renascença que é católico e que a sua “conversão” foi “um momento decisivo” na sua vida, o escritor, que é também professor do ensino secundário, diz que sente que falta hoje espiritualidade na literatura.
“É uma coisa que me interessa na literatura. Acho que, no ambiente cultural do nosso tempo, fala-se muito de causas, de política, mas falta um bocadinho um discurso que vá ao centro do problema”.
Interrogado pela falta de espiritualidade das sociedades contemporâneas, Simão Lucas Pires diz que “ao contrário do que acontecia noutros tempos, o nosso interesse social por aquilo que é comum está muito fragmentado. Poucas vezes se vai ao centro da questão, que me parece que tem a ver com várias coisas, mas também com a espiritualidade e com Deus.”
Nos contos onde há histórias de um escritor de contos, ou de uma viagem de autoestrada, de uma manhã de sol invulgar numa praia do Oeste como o Baleal está aquilo que Simão Lucas Pires quer mostra aos leitores. Muito do que é como escritor vem do que é como leitor. E nisso não esconde a influência que teve o seu irmão mais velho, o escritor Jacinto Lucas Pires.
“Grande parte do meu gosto pela literatura vem do meu irmão Jacinto, por um lado de ler as coisas dele, por outro, das recomendações que ele me foi fazendo. Há autores que se tornaram centrais para mim como a Flannery O’Connor ou o Machado de Assis que vieram das recomendações do Jacinto. E acho que deu uma certa naturalidade com o gosto por escrever e pela literatura”, diz Simão que conclui que o irmão mais velho “claramente ajudou, e não atrapalhou”.