“Não podemos passar toda a vida a recriminar o colonialismo e as ocupações por aquilo que se passa neste momento em Timor”, diz Luís Cardoso. O escritor timorense que vive em Portugal lança agora o romance “O Plantador de Abóboras”, pela Abysmo. É um livro que conta, “em três andamentos”, a História de Timor-Leste e das sucessivas ocupações.
Cardoso diz que os timorenses são hoje “escravos” do petróleo que está nas mãos dos australianos. O autor, que denuncia a corrupção, diz que “tem faltado” ao Estado timorense “vontade política” para usar os proveitos do petróleo para investir na educação e criar quadros que faltam em Timor.
Nesta entrevista ao programa Ensaio Geral, da Renascença, Luís Cardoso explica como nasceu este livro, que é, nas suas palavras, “um grande poema timorense”.
“O Plantador de Abóboras” é um livro onde conta a história do seu país e das sucessivas ocupações. É um livro que sentiu necessidade de escrever?
É um livro que sempre pensei escrever desde o dia que regressei a Timor, depois do referendo. Fui a uma montanha timorense, numa vila chamada Maubisse, e fui visitar a antiga pousada portuguesa, estava em ruínas depois dos incêndios.
Quando estava a observar a paisagem, dei conta que estava lá uma senhora que falou no meio das ruínas. Foi contando a sua história e a História de Timor. Fiquei a ouvir durante três horas. Foi como se ela própria me quisesse contar a História de Timor, para um timorense que esteve ausente de Timor durante esses anos todos da ocupação indonésia.
A partir daí, deu-me uma vontade enorme de escrever. Fui escrevendo outros livros, publicando outros romances, mas pensei sempre que um dia havia de escrever um grande poema timorense.
Nas páginas de “O Plantador de Abóboras” estão os últimos anos da vida deste país divididos em três capítulos. São três momentos da História de Timor
“O plantador de Abóboras” percorre toda a história de Timor, nas suas três fases. Primeiro, a luta pela independência dos timorenses numa zona montanhosa chamada Manufahi, aonde pertencia o meu pai e o meu avô que participou na luta contra os portugueses.
Depois, no segundo andamento, tento explicar e rever toda a situação dramática de Timor durante a Segunda Guerra Mundial, com a ocupação pelos japoneses.
No terceiro andamento, temos a luta pela independência, contra a ocupação indonésia e depois o período em que nós, timorenses, tomamos conta do nosso território.
Timor-Leste é um dos mais jovens países do mundo, mas sofre ainda algumas feridas do passado e isso está também neste livro. Escreve a certa altura que Timor é “um pequeno país que viveu um grande pesadelo e de repente acordou abastado”. Está a falar da riqueza do petróleo?
Com a nossa luta pela independência chegámos até ao alto da montanha do Ramelau. Fomos grandes nessa luta. Acontece que depois ficámos abastados de um recurso natural que nos devia ajudar a melhorar a nossa condição de vida e existência, e sobretudo esse nosso orgulho de sermos nós timorenses a tomarmos conta do nosso país.
Acontece que nos tornámos reféns do petróleo. A partir daí, há corrupção e uma série de questões ligadas à produção e negócio do petróleo. É sobretudo uma corrupção interior. Em vez de nos servirmos do petróleo para tornamo-nos um país digno, e para sermos dignos do nosso país, tornamo-nos reféns dele e pior, escravos!
Um dos marcos da História de Timor é a sua relação com Portugal colonizador. Foi também um processo que deixou marcas. As feridas estão saradas?
As feridas e as cicatrizes existem. Mas do que os timorenses souberam tirar proveito foram as coisas boas da colonização. A língua serviu para nós, durante o tempo da ocupação, como uma tremenda arma de luta.
Ao mesmo tempo, Portugal manteve perante Timor, como potência administrante, uma posição muito justa ao longo do tempo. Os timorenses, apesar das cicatrizes do passado, começaram a ver que essas feridas do cicatrizaram. Começámos a tirar proveito daquilo que podemos dar um ao outro.
De facto, os portugueses lutaram por Timor, como por uma causa, e os timorenses perceberam que Portugal seria o seu grande aliado neste processo todo até à independência. Creio que conseguimos todos, portugueses e timorenses, alcançar a nossa redenção.
Nessa redenção há esta ideia de vida que nasce a partir de uma semente. Talvez daí venha a ideia do título deste livro “O Plantador de Abóboras”?
Nós, os timorenses, os nossos sonhos, são coisas muito básicas. Todos nós gostaríamos de ter um terreno para plantar abóboras. Na abóbora, nós comemos tudo! Comemos os rebentos, as folhas, as flores e o fruto. Toda a gente tem no seu imaginário plantar abóboras!
Cito, por exemplo, a dada altura quando houve um jornalista português perguntou ao Xanana Gusmão o que é que ele iria fazer quando acabasse a sua missão no desempenho da sua tarefa de libertar a Pátria. E ele disse assim: “Vou plantar abóboras!” Foi uma frase tremenda, porque a abóbora está no imaginário de todos os timorenses. Com a abóbora podemos ver o fruto do nosso trabalho. Esperamos que o petróleo, ou algo, venha resolver o problema de nos alimentar. Então há essa alegoria, de que nós com o trabalho podemos alimentarmo-nos.
Mas isso não tem acontecido, nomeadamente na questão do petróleo. Não tem tido os frutos esperados?
O país tem um solo magnífico que pode produzir tudo, portanto, há que investir na agricultura e nas coisas básicas que podem sustentar as pessoas. Um país não pode ficar nas mãos dos outros.
As explorações de petróleo estão nas mãos dos australianos, das companhias petrolíferas. O que podemos fazer? Aproveitar esses proveitos do petróleo para investir no território, sobretudo nas coisas que possam produzir frutos, sobretudo na educação. Timor tem falta de quadros, é preciso investir na educação para formar quadros que possam administrar o país no futuro.
Os seus livros escritos em português são as suas “abóboras”? Como está o ensino de língua portuguesa em Timor-Leste com a pandemia?
Creio que as coisas estão a avançar. Creio que em breve vão seguir para Timor mais professores de língua portuguesa que vão trabalhar com professores timorenses para fazer a reintrodução da língua portuguesa. Houve um problema: por causa da pandemia, muitos desses professores regressaram a Portugal, mas muitos também continuaram ficaram lá e continuaram a fazer esse magnifico trabalho.
Creio que tem faltado, da parte do Estado timorense, uma vontade política de assumir “Vamos desenvolver sobretudo a educação!”. Ficou aquém das expetativas. Esta é uma das grandes desilusões deste livro.
Timor não soube ou não sabe aproveitar os seus recursos?
Fala dessa desilusão de não termos aproveitado toda essa riqueza que temos para incentivar a educação, a saúde e outras atividades como a agricultura para desenvolver o país. Nós não podemos passar toda a vida a recriminar o colonialismo e as ocupações por aquilo que se passa neste momento em Timor. Tiveram, de facto, influência, mas neste momento somos nós que temos o poder para desenvolver Timor e acima de tudo, temos dinheiro, muito, muito dinheiro!