Prioridade a uma economia que dê resposta aos desafios das alterações climáticas, aumento no investimento público e alterações ao Código Laboral são as bandeiras que o Bloco de Esquerda quer apresentar na campanha eleitoral.
Em entrevista à Renascença, o dirigente José Manuel Pureza garante que este é um programa com contas feitas e justifica medidas como a introdução de quotas de entrada no ensino superior por raça ou etnia.
O que é fundamental neste programa do Bloco de Esquerda?
São duas cosias. Em primeiro lugar, a meta de fixarmos o nível de investimento público onde ele estava antes da crise. Isso significa cinco por cento do PIB, 10 mil milhões de euros. Isso é essencial para podermos ter investimento nos serviços públicos, investimento no país, na qualificação. Sem isso, o pais vai continuar a viver dias muito preocupantes. A segunda coisa que é decisiva neste programa é que para todas as propostas que fazemos, mostramos como é que elas são exequíveis do ponto de vista material e do ponto de vista político. Fizemos as contas, temos tudo devidamente orçamentado. Não é um programa orçamental, mas é um programa com as contas feitas. É um programa de propostas políticas arrojadas, mas exequíveis, assim haja vontade e força politica para ele ser executado.
E quanto a medidas, quais é que podem ser 'medidas-bandeira' da campanha eleitoral?
Em primeiro lugar, há uma aposta muito grande numa resposta determinada e eficiente e justa ao desafio das alterações climáticas. isso implica transportes públicos, habitação devidamente programada e qualificada, implica um conjunto de elementos na área da política da energia, implica fatura energética mais eficiente, mais justa, sem rendas excessivas. Há uma transformação da economia que decorre da necessidade de responder às alterações climáticas. Segunda área de medidas particularmente importantes: a qualificação dos serviços públicos na saúde, na educação, na justiça, em tudo quanto o Estado tem a responsabilidade de dar resposta aos cidadãos. Isso implica pessoal, implica edificado, organização, equipamentos. Temos propostas e a quantificação daquilo que é necessário para que essas propostas sejam exequíveis.
Terceira grande área de preocupação central pro parte do Bloco é o que diz respeito à valorização do trabalho. Entendemos que a legislação laboral continua a penalizar o fator trabalho e precisamos de retirar do Código do Trabalho um conjunto de normas que foram estabelecidas no tempo da intervenção da troika e que não fazem qualquer sentido a não ser para em alguns casos humilhar o próprio trabalhador. Por isso mesmo, fazemos questão de apontar a revisão do código de trabalho no sentido da eliminação de normas particularmente penalizadoras de quem trabalha em Portugal.
Em relação a contas, no ultimo capitulo do programa o Bloco diz que Portugal se deve desvincular do tratado orçamental e, tendo em conta muitas das vossas propostas, presumo que este é um programa não preveja que tenham se der respeitas limites para o défice e para a divida...
Nesta legislatura, os compromissos assumidos pelo Governo com a comissão europeia foram sempre ultrapassados pelo próprio Governo, mostrando que há uma almofada orçamental que, mesmo cumprindo aquilo que o próprio governo tinha acordado com Bruxelas, era possível ter aplicado muito mais dinheiro em investimento público qualificador e robustecedor de áreas essenciais da nossa vida coletiva.
Percebemos, ao longo destes quatro anos, sem surpresa, que para que haja uma governação determinada, comprometida com um nível de investimento público superior isso obriga-nos a assumir uma divergência com aquilo que são as balizas que nos servem de espartilho. Em última análise, isso significa que há regras que o próprio primeiro-ministro no inicio desta legislatura qualificava como sendo pouco sensatas, estupidas. Essa regras efetivamente não nos servem, não nos permitem dar passos essenciais para uma governação que nos reforce como sociedade. Por isso, assumimos isso, assumimos que um programa que aprofunde os direitos e a justiça na economia, em última análise, pode encontrar áreas de confronto mais ou menos intensas com quem acha que o espatilho é o dogma. Entendemos que não deve ser o dogma e que, pelo contrário o único dogma deve ser o da justifica na economia e na sociedade.
Ao longo do vosso programa, em alguns capítulos vão fazendo comparações com o PS. Nalguns só com o PS, noutros com o PS e o que chamam de conservadores, noutros com o PS e a direita. Porquê essa necessidade de comparação com o PS no programa?
Por uma razão muito simples: este é o momento por definição em que se faz a diferenciação das propostas e, portanto, queremos clarificar diante das pessoas aquilo em que a nossa proposta é diferente de outras propostas, seja de partidos da direita, seja do PS. Particularmente do PS por uma razão: o PS tem sido governo e tem havido um apoio parlamentar à esquerda em várias áreas - não em outras- , e, portanto, em homenagem a uma clarificação democrática das escolhas das pessoas é necessário que cada partido seja muito perentório, muito claro na diferenciação das suas propostas. Não é nenhuma fixação, é pura e simplesmente mostrar aos cidadãos que as nossas propostas são em muitos casos diferentes e que, para que haja um aprofundamento do caminho que foi encetado em muitas áreas durante esta legislatura, é necessário que se vá mais longe e, para esse efeito, as nossas propostas apontam esse 'mais longe' e precisam de força política para se poderem tonar política concreta.
Imaginemos uma negociação à esquerda pós-eleitoral. O que é inegociável deste programa?
O programa que o Bloco de Esquerda apresenta agora tem uma orientação politica muito clara e, por isso mesmo, este é o momento de afirmarmos estas propostas e dizermos 'é em nome destas propostas que nos vamos posicionar relativamente a todo as as soluções políticas que venham a ser desenhadas para o futuro'. É para executar este programa que nos colocamos Naturalmente que os resultados eleitorais ditaram equilíbrios e reorganizações das forças e em função disso veremos o que é necessário fazer. Com uma certeza: o Bloco de Esquerda mostrou, ao longo desta legislatura que agora termina, que nunca faltou a nenhum esforço para que à esquerda houvesse convergência para mudar de maneira justa aquilo que estava mal no país. E é, exatamente, assim que nos vamos comportar: não faltaremos a nenhum esforço para haja uma solução à esquerda para aprofundar o caminho que agora foi feito; não entraremos é em nenhuma solução que seja para manter o que está, para manter os impasses que estão. Isso não queremos, estaremos uma perspetiva de aprofundar o caminho dos direitos, da recuperação de rendimentos e é isso que está neste programa.
No vosso programa está uma medida que causou muita discussão pública recentemente que é a possibilidade de quotas de entrada no ensino superior por raça ou etnia. Porque é que decidiram incluir esta medida neste momento no programa?
Este programa foi feito em diálogo com os movimentos sociais, sobretudo nesta área dos direitos para combater o preconceito e a realidade da discriminação racial em Portugal tem vindo a ser uma realidade cada vez mais conhecida e debatida politicamente. Agora, estamos na altura de apresentar propostas para corrigir esta situação e - como em outros domínios em que a política de quotas, não sendo ideal, foi importante para corrigir défices de representação e de inclusão - entendemos, em diálogo com os movimentos que combatem a discriminação racial em Portugal que a introdução de quotas no ensino superior - naturalmente com uma dimensão que terá de ser deliberada pelos órgãos competentes - parece-nos ser um principio certo na perspetiva de corrigir algo que marca a realidade do ensino superior em Portugal, que é uma sub-representação de familiais étnicas que vivem em Portugal e também no sentido da sua qualificação através do ensino superior. Foi uma proposta que introduzimos no perfeito consenso dos movimentos que combatem a discriminação racial em Portugal.
O Bloco, como esperado, coloca a legalização da morte assistida como uma prioridade neste programa. Pensa ter na próxima legislatura as condições para que esta medida seja aprovada?
O que aconteceu ao longo desta legislatura foi um debate muito alargado, muito aprofundado e em que a proposta do Bloco ficou a poucos votos parlamentares de ser aprovada. Não há nenhuma razão para que na próxima legislatura não haja um novo impulso, uma nova iniciativa que vá nessa direção.
Não ficou desiludido por o PS não fazer referência a este assunto no seu programa eleitoral?
Durante esta legislatura, o PS fez um caminho: primeiro, não tinha uma posição oficial, depois assumiu essa posição e houve uma orientação da esmagadora maioria do seu grupo parlamentar na perspetiva de um voto favorável. Não tenho nenhuma razão para entender que isso não se vai repetir, pelo contrário acho que isso faz parte de uma orientação que parece ser muito estabilizada no PS.