O Papa alertou, esta quinta-feira, que a crise da fé tem a ver “com o desaparecimento do desejo de Deus”, a “sonolência do espírito” e com o hábito de nos “contentarmos em viver o dia a dia, sem nos interrogarmos acerca daquilo que Deus quer de nós”.
“Debruçamo-nos demasiado sobre os mapas da terra e esquecemo-nos de erguer o olhar para o céu; estamos empanturrados com muitas coisas, mas desprovidos da nostalgia do que nos falta. Fixamo-nos nas necessidades, no que havemos de comer e vestir (cf. Mt 6, 25), deixando dissipar-se o anseio por aquilo que o ultrapassa. E deparamo-nos com a bulimia de comunidades que têm tudo e muitas vezes já nada sentem no coração. Porque a falta de desejo leva à tristeza e à indiferença”, disse Francisco na homília da missa da Solenidade da Epifania do Senhor.
Apontou o exemplo dos Magos, que peregrinaram a Belém, movidos pela inquietação interior de encontrarem o Menino Deus, destacando que a saudável inquietação nasceu do desejo.
“Desejar significa manter vivo o fogo que arde dentro de nós e nos impele a buscar mais além do imediato, mais além das coisas visíveis. É acolher a vida como um mistério que nos ultrapassa, como uma friesta sempre aberta que nos convida a olhar mais além, porque a vida não é «toda aqui», é também «noutro lugar». É como uma tela em branco que precisa de ser colorida”.
O Papa evocou ainda Van Gogh, sobre a “necessidade de Deus que o impelia a sair de noite para pintar as estrelas”, explicando que tal “deve-se ao facto de Deus nos ter feito assim: empapados de desejo; orientados, como os Magos, para as estrelas”.
“Somos aquilo que desejamos. Porque são os desejos que ampliam o nosso olhar e impelem a vida mais além: além das barreiras do hábito, além duma vida limitada ao consumo, além duma fé repetitiva e cansada, além do medo de arriscar, de nos empenharmos pelos outros e pelo bem”, disse Francisco.
Desafia os cristãos a procurarem “caminhos novos”
Falando para dentro da Igreja, o Papa pediu aos cristãos que não fiquem bloqueados numa “religião convencional”.
“Como no caso dos Magos, também a nossa viagem da vida e o nosso caminho da fé têm necessidade de desejo, de impulso interior. Precisamos disso como Igreja”, afirmou, explicando que “será bom perguntar-nos: a que ponto estamos nós na viagem da fé? Não estaremos já há bastante tempo bloqueados, estacionados numa religião convencional, exterior, formal, que deixou de aquecer o coração e já não muda a vida? As nossas palavras e ritos despertam no coração das pessoas o desejo de caminhar ao encontro de Deus ou são «língua morta», que fala apenas de si mesma e a si mesma?”
“É triste quando uma comunidade de crentes já não tem desejos, arrastando-se, cansada, na gestão das coisas, em vez de se deixar levar por Jesus, pela alegria explosiva e desinquietadora do Evangelho”.
Francisco desafiou, depois, os crentes a seguirem o exemplo dos magos e a não terem medo de encontrar “caminhos novos”, porque é a isso que são chamados no processo sinodal que está a decorrer.
“É preciso voltar a partir sempre cada dia, tanto na vida como na fé, porque a fé não é uma armadura que imobiliza, mas uma viagem fascinante, um movimento contínuo e inquietador, sempre à procura de Deus”, disse Francisco.
O pontífice apontou ainda a uma “fé corajosa, profética, que não tenha medo de desafiar as lógicas obscuras do poder, tornando-se semente de justiça e fraternidade numa sociedade onde, ainda hoje, muitos “herodes” semeiam morte e massacram pobres e inocentes, na indiferença da multidão”.
E aludindo mais uma vez ao exemplo dos Magos, que depois de adorarem Jesus regressaram por outro caminho, Francisco explicou que tal atitude “provocam-nos a percorrer estradas novas”, porque “é a criatividade do Espírito, que faz sempre coisas novas”.
“É também uma das tarefas do Sínodo: caminhar numa escuta conjunta, para que o Espírito nos sugira caminhos novos, estradas para levar o Evangelho ao coração de quem é indiferente, vive alheado, de quem perdeu a esperança, mas procura aquilo que sentiram os Magos: uma «imensa alegria»”.
Quase a terminar a homilia, o Papa lembrou que “a viagem da fé só encontra ímpeto e cumprimento na presença de Deus”, porque “só Jesus cura os desejos” das ditaduras das necessidades e eleva “os desejos; purifica-os, cura-os, sanando-os do egoísmo e abrindo-nos ao amor por Ele e pelos irmãos”.
“Deixemo-nos transformar por Jesus”, pediu Francisco, na certeza de que “mesmo nas noites mais escuras, brilha uma estrela”.
“É a estrela de Jesus que vem cuidar da nossa frágil humanidade”, afirmou o Papa, pedindo que “não demos à apatia e à resignação a força de nos cravar na tristeza duma vida medíocre”.
“O mundo espera dos crentes um renovado ímpeto para o Céu. Como os Magos, levantemos a cabeça, ouçamos o desejo do coração, sigamos a estrela que Deus faz brilhar sobre nós. Como buscadores inquietos, permaneçamos abertos às surpresas de Deus. Sonhemos, procuremos, adoremos”, concluiu.