A democracia não suporta o que se está a passar. O alerta é lançado por um dos fundadores do PS, António Campos, em entrevista à Renascença.
António Campos diz que está a assistir ao desmoronar total das instituições que ajudou a criar, porque os "contrapoderes" não estão a funcionar e o Partido Socialista é um dos responsáveis por isso.
O PS não está a defender uma democracia transparente nem a "ética republicana", afirma o cofundador do partido.
A título de exemplo, António Campos aponta os casos que levaram às demissões de Alexandra Reis, no Ministério das Finanças, e agora também de Carla Alves, na Agricultura.
Na leitura deste histórico socialista, a própria ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, deveria demitir-se.
Questionado se o Governo está ferido de morte, António Campos responde: "O problema não é o Governo, que é passageiro. O problema é o PS", que, na sua leitura, considera estar em risco.
Que ética republicada é que temos hoje? O Governo tem seguido a ética republicana ou já ninguém dá relevância a este conceito no PS?
O meu partido hoje não está a defender uma democracia responsável e transparente.
Não está a respeitar a ética republicana?
Não está a respeitar a ética republicana, porque as próprias instituições não estão a funcionar. Em qualquer democracia responsável e transparente, onde há um poder há um contrapoder. Isso é a regra básica da democracia. E os contrapoderes não estão a funcionar. O meu partido é responsável pelos contrapoderes não estarem a funcionar.
Por exemplo...
Nós tivemos agora problemas no Ministério das Finanças com a incorporação de uma senhora [Alexandre Reis], em que a Inspeção Geral das Finanças, que é responsável por isso, não funcionou.
E temos também agora na Agricultura...
E temos agora a agricultura.
Acha que, no plano político, a ministra da Agricultura está penalizada e deve ser demitida?
É ela que deve demitir. Por uma razão muito simples: Eu não sei se ela sabia ou não da senhora. A senhora era Diretora Regional do Norte, desempenhava o lugar de alta importância. Nunca veio a público o que havia sobre ela. Ela entra para secretária de Estado e, passado 24 horas, nós passámos a conhecer esse currículo dela e, portanto, aqui há uma falta total de funcionamento das instituições, e da ética republicana, é verdade. Mas a ética está ligada às instituições.
Mas se há uma quebra da ética republicana, o primeiro-ministro, ontem, assumiu isso como uma linha vermelha para ele próprio.
O primeiro-ministro é aluno do Presidente da República e os dois têm a mesma tese: "O que é da política é da política, e o que é da justiça e da justiça". Isso é a tese do professor e do aluno, dos dois juristas que dirigem hoje o país.
E o país não suporta isto. A democracia não suporta o que se está a passar. Eu lutei uma vida pela democracia e hoje assisto ao desmoronar total das instituições que eu também ajudei a criar, depois do 25 de Abril.
Não têm nada a ver este PS com o PS que eu criei. Era o “Partido da Liberdade”. Instalámos as instituições todas. Onde havia um poder criámos sempre um contrapoder, para fiscalizar o poder instituído. E hoje não funcionam. E em democracia nós estamos todos a trabalhar, neste momento, para a extrema-direita e para desacreditar a democracia transparente e responsável.
Nesse quadro, já me disse que a democracia está afetada, claramente, e que a ética republicana não é respeitada. E é uma linha vermelha assumida pelo próprio primeiro-ministro. Este Governo, do seu ponto de vista, está ferido de morte?
O problema não é o Governo. O problema é o partido que eu criei, que está em risco. Os governos são passageiros e o que está em risco é o partido que eu ajudei a criar aqui em minha casa, clandestinamente, e que depois foi criado legalmente na Alemanha. E esse é que está em risco, porque os governos são passagens. Agora, o meu partido, neste momento, está em risco. É óbvio.