U2 acusados de plágio. Cópia inconsciente, retromania ou pura coincidência?
02-03-2017 - 21:57
 • Sérgio Costa

A Renascença falou com o vocalista Miguel Guedes e com Paula Guerra, socióloga autora de trabalhos relacionados com a música, sobre a atracção da pop pela cópia.

Será o ritmo, a técnica, a sonoridade? Ou é apenas um ouvido destreinado e sugestionado pela acusação? Os U2 foram acusados de plágio, um caso que não é o primeiro nem será o último no universo musical.

Seja qual for a razão, seja mera coincidência ou intencional, “The Fly” dos U2 (single editado em Outubro de 1991) tem evidentes semelhanças com os compassos iniciais “Nae Slapplin” de Paul Rose (originalmente editado em Maio de 1991, mas gravado em 1989). É o mais recente caso de acusação de plágio que mantém um padrão comum: o acusado é mundialmente conhecido, o acusador é um ilustre conhecido para um segmento muito particular de apaixonados da música, mas um quase desconhecido do grande público.

Paul Rose, guitarrista virtuoso, sem página no Wikipédia, demorou 26 anos para acusar Bono, The Edge, Larry e Adams (e por que não Brian Eno, produtor dos U2) de lhe copiar o talento. Uma forma de se tornar mais conhecido, dirão os mais apaixonados fãs do quarteto irlandês.

O caso obriga a uma atenta audição dos dois temas. Entre o rock, algo FM, invadido de blues e referências ao jazz de Rose, e o pop rock de sonoridade algo fuzzy inovadora (para a altura, claro, ou não tivesse a mão de Eno) dos U2, há uma linha que os une.

Há uma linha de guitarra que marca o início de “Nae Slapplin” e que se acentua no solo de The Edge em “The Fly”. Nos dois casos sobre um ritmo e cadência muito semelhantes a mergulhar no universo Bo Diddley beat (na música já nada se inventa, tudo se aproveita, dirão alguns). Importa sublinhar que os acordes, as notas do riff da guitarra, o tempo são em tudo semelhantes. Há mais um elemento curioso a unir Rose e os U2: o contrato com a Island Records, facto que fará aumentar a suspeita e alimentar as teorias em torno do caso.

Os U2 ainda não reagiram formalmente à acusação.

CASOS CÉLEBRES

O confronto Rose vs U2 é apenas o mais recente episódio de uma longa novela de acusações de plágio.

Os Led Zeppelin são uma das bandas rock que mais vezes esteve sob suspeição. “Stairway to Heaven” (1971) não é só olhada como uma das mais famosas baladas do rock. O tema é frequentemente apontado como um caso flagrante de plágio.

Acusados pelos Spirit, autores do tema “Taurus” (1968), os elementos dos Led Zeppelin foram absolvidos após longas semanas de julgamento em 2014.

Numa das sessões foi mesmo inquirido um perito musical. No depoimento o especialista fez notar que a progressão de acordes idêntica aos dois temas é já utilizada há mais de 300 anos. Assunto encerrado (será?).

São inúmeros os casos de alegado plágio no universo rock. Um recente confronto Nirvana/Killing Joke empolgou a crítica e os fãs, com os menos conhecidos, britânicos e mais alternativos Killing Joke a perderem a causa, mesmo apesar dos Nirvana terem assumido que “Come as You Are” (1991) foi claramente inspirado em “Eighties” (1985). Os sorumbáticos Killing Joke perderam na justiça mas ficaram a ganhar nas certezas de quem consome música. São muitos e curiosos os exercícios nas redes sociais para comparar os dois temas. Acelere-se o tempo de “Come as You Are” e o frenético Jaz Coleman poderá cantar “Eighties” na perfeição.

BEATLES E "REI DA POP" TAMBÉM NÃO ESCAPARAM

Curioso é também o facto da canção que conduziu os Radiohead ao estrelato ter levado o grupo a ser acusado de plágio. O processo foi movido pelos The Hollies que reclamaram créditos na composição de “Creep”, uma das mais famosas e banais canções do grupo britânico. Se excluirmos o explosivo e sónico refrão e ainda alguns arranjos de “Creep” (1992), a canção dos Radiohead é em tudo semelhante a “The Air That I Breathe” (1974). Até a vocalização é idêntica. Será talvez um dos mais gritantes exemplos de semelhanças entre músicas. O processo foi encerrado com a partilha de direitos de autor.

As acusações de plágio não são uma tradição recente, pelo contrário. Nem mesmo os Beatles escaparam. Os quatro de Liverpool foram acusados de terem copiado em “Come Together” (1969) a harmonia e até a letra de “You Can’t Catch Me” (1956) de Chuck Berry. É o único caso do género a envolver os Beatles. Ficou encerrado com um acordo extrajudicial que, contudo, permanece em segredo.

As acusações não são um exclusivo do rock. Michael Jackson, ainda hoje denominado “Rei da pop”, foi obrigado a pagar mais de 150 mil euros por usar a melodia de “Soul Makossa” (1972) do saxofonista Manu Dibango no ritmado hit “Wanna Be Startin’ Something”(1982), o tema de abertura do álbum mais vendido da história, “Thriller”.

PLÁGIO INCONSCIENTE E "RETROMANIA"

Longe dos tribunais foi resolvido o caso que envolveu Rod Stewart. O artista britânico admitiu um cenário de plágio inconsciente no sucesso mundial “Do Ya Think I’m Sexy” (1978). O refrão é a cópia exacta do refrão de “Taj Mahal” (1972), de Jorge Ben. A única diferença é ter letra definida.

Mas afinal o que é plágio inconsciente? Em declarações à Renascença, Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero, sublinha ser “praticamente impossível criar algo absolutamente original”. A questão, acrescenta, “está sempre na vontade e na maquinação premeditada de alguém que queira fazer igual para daí retirar dividendos, e isso é condenável”.

Miguel Guedes lembra que “as notas são apenas sete”, concluindo que a diferença estará na base rítmica. Mesmo assim, o vocalista defende que “na música está tudo por inventar”. O que já existe, adianta, “são os ingredientes e tudo depende como são usados”.

O líder dos Blind Zero usa a expressão “ninguém é uma ilha” para concluir que quem disser que faz música sem ouvir música ou sem ser influenciado terá duas hipóteses: “ou é mentiroso ou genial”. Ou seja, plágio inconsciente será uma possibilidade natural.

Paula Guerra, socióloga autora de trabalhos relacionados com a música, vai mais longe e enquadra o fenómeno numa lógica de “retromania”.

A especialista dá o exemplo do saudosismo dos anos 80 que, não sendo um exclusivo da música, pode justificar a busca pelo passado no universo musical.

Paula Guerra lembra mesmo a obra de Andy Wharol para exemplificar uma “lógica de repetição e a busca do reencontro” que está muito vincada na sociedade actual.

A socióloga acrescenta que a sociedade e o mercado assistem a um quadro de “banalização e de excesso de música onde tudo parece muito igual”. Paula Guerra afasta, contudo, a ideia de incapacidade em criar algo de novo. Na segunda década do século XXI “tudo acontece a um ritmo vertiginoso, há mais recursos tecnológicos, há mais coisas a acontecer, logo há mais dificuldade na apropriação das coisas”, conclui.

O caso dos U2 não será, certamente, o último do género e o debate sobre casos de alegado plágio musical vai continuar seja qual for o desfecho. O que diria John Lennon se ouvisse o início de “Don’t Look Back in Anger” dos Oasis? Para evitar atritos, valerá mais a transparência demonstrada pelos Blur que no tema “M.O.R” creditaram David Bowie e Brian Eno como compositores.