Dois anos de prisão para quem quebrar isolamento em pandemia. Esta é uma das medidas previstas no anteprojeto de lei de proteção em emergência de saúde pública que foi divulgado esta quarta-feira.
Mais de dois anos depois do início da pandemia da Covid-19, que levou à adoção de medidas restritivas da liberdade e à declaração de estados de emergência, calamidade e alerta, o Governo deu os primeiros passos para a criação de uma lei de proteção em emergência de saúde pública.
Para estudar a revisão do quadro jurídico aplicável em contexto de pandemia, o primeiro-ministro designou uma comissão técnica ainda na anterior legislatura. António Costa anuncia agora um diploma elaborado por esta equipa que foi enviado à Assembleia da República, governos regionais e associações nacionais de municípios e de freguesias, além de conselhos e ordens profissionais na área da saúde.
Em comunicado, o gabinete do primeiro-ministro refere que a Covid-19 “desafiou todas as áreas da sociedade e o processo legislativo não ficou à margem”, acrescentando que “foi precedido de aprofundado estudo por uma comissão da mais elevada competência técnica, nas áreas jurídica e de saúde pública, e com o envolvimento da Provedoria de Justiça e da Procuradoria-Geral da República”.
A proposta inclui dois diferentes estados (de emergência de saúde pública e de fase critica de emergência) e o diploma considera que é “difícil, senão mesmo impossível, antecipar todas as medidas que se venham a revelar as mais adequadas no quadro de resposta a cada crise sanitária futura”, defendendo que a Assembleia da República, responsável pela autorização do prolongamento de vigência de fase críticas da emergência, pode ainda “adaptar e complementar”, a nível legislativo, o quadro legal de resposta a essa específica crise sanitária.
Quem estiver em isolamento pode sair de casa durante duas horas
No anteprojeto da lei, é previsto que a autoridade de saúde possa determinar o isolamento por um período que não ultrapasse os 14 dias, “com a finalidade de afastar o risco para a saúde pública, de pessoa afetada por doença que fundamenta a declaração da emergência”, refere o documento, que indica que a medida não pode ser renovada, a não ser que seja declarada uma fase crítica de emergência.
Sobre a quarentena, deve ser ainda salvaguardado que a pessoa possa ausentar-se diariamente de casa, ou do local onde está a cumprir isolamento, durante um intervalo horário fixado pela autoridade de saúde que não pode ser inferior a duas horas, sendo ainda permitido ao isolado ausentar-se em situações de emergência ou para realizar deslocações estritamente necessárias.
O anteprojeto prevê ainda a realização de testes, com “sujeição a controlo laboratorial ou a outros meios não invasivos de diagnóstico que permitam a identificação das pessoas afetadas pela doença ou das cadeias de transmissão”, e refere que o Governo “pode determinar a obrigatoriedade do uso de equipamentos de proteção individual ou coletiva, que se revelem necessários como meio de contenção da doença”, incluindo em espaços públicos ou vias públicas.
O Governo pode ainda, segundo o documento, estabelecer limitações de ajuntamentos de pessoas na via pública ou em lugar aberto ao público, com exceção para agregados familiares que coabitem.
A comissão acrescenta ainda pontos que permitem ao Governo alterar as condições de serviços essenciais e de trabalhadores de setores como a saúde, proteção civil, segurança, transportes ou produção e distribuição de bens para a garantia da ordem pública, bem como a suspensão de atividades de comércio, indústria, agricultura e de prestação de serviços que constituam um risco elevado para a saúde pública.
O projeto prevê ainda três casos distintos com direito a penas: a quebra do isolamento dentro das condições previstas é punida com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias, enquanto a falsificação de testes de diagnóstico e a exigência de teste em situações não aplicadas pode ser punido com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias.
O diploma enviado à Assembleia da República indica ainda que o Executivo pode determinar a exigência de exibição de certificado ou teste relativos à doença, sendo proibido o registo de dados pessoais e a exigência de certificado ou teste fora de situação de emergência de saúde pública.
A comissão responsável pelo anteprojeto, constituída em junho de 2021, teve como presidente o juiz conselheiro jubilado António Henriques Gaspar e como membros o procurador-geral-adjunto João Possante, em representação da procuradora-Geral da República, Ravi Afonso Pereira, em representação da provedora de Justiça, e Alexandre Abrantes, professor catedrático da Escola Nacional de Saúde Pública.
No texto do despacho assinado pelo primeiro-ministro, mais concretamente na exposição de motivos sobre a constituição da comissão técnica, defendia-se que, em conjuntura de crise sanitária, houve "um excecional sentido do dever de cooperação e solidariedade institucionais entre os diversos órgãos de soberania, as regiões autónomas e as autarquias locais".
Porém, para António Costa, "ficou claro que foi necessário agir num quadro constitucional e legal que não havia sido concebido para as circunstâncias" em que o país tem vivido, "nem a elas está inteiramente ajustado, em nenhum dos instrumentos a que foi necessário - e possível recorrer, do estado de emergência aos mecanismos previstos nas Leis de Bases da Proteção Civil e da Saúde e na Lei relativa ao Sistema de Vigilância em Saúde Pública".
Atualmente, Portugal encontra-se em situação de alerta que foi prolongada até 31 de maio. Este é o nível mais baixo de resposta a situações de catástrofes da Lei de Base da Proteção Civil.