Se tivesse sido uma prioridade do Governo socialista, o Banco de Fomento já estava a financiar a economia. É a opinião do ex-ministro da Economia Pires de Lima, que tutelou a primeira tentativa de instalação de um Banco de Fomento em Portugal.
O projeto já tinha recebido autorização de Bruxelas no Governo de coligação de Passos Coelho, quando o país ainda recuperava da crise do “suprime” e tinha a troika a avaliar as contas.
Em entrevista à Renascença, Pires de Lima admite que acabou por ser aplicada uma versão “light” do banco - a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) -, que foi notícia pelas falhas e fraquezas que tinha em vez dos apoios que concedia.
O Banco de Fomento regressou depois como prioritário no programa de Governo do PS, mas ficou na gaveta nos primeiros quatro anos. Só agora, no segundo mandato de António Costa e com Siza Vieira na Economia, o projeto é recuperado, com a fusão dos vários organismos que ajudam as empresas a financiarem-se através de fundos públicos: a fusão da Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) e da PME Investimentos - que, por sua vez, se vão fundir na Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM).
Fusões que já tinham sido avançadas pelo Governo de direita, lembra Pires de Lima nesta entrevista.
Com a nova autorização divulgada esta terça-feira por Bruxelas, após uma primeira aprovação em junho, o antigo ministro acredita que Costa e Siza Vieira foram favorecidos pela conjuntura, que impõe soluções para as empresas.
Agora é preciso rapidez, para garantir que estas respostas ainda chegam a tempo de responder à actual crise e clarificar as funções do futuro Banco de Fomento, porque o próprio Estado já tem um banco público e há outros intervenientes no mercado.
O que é que mudou no projeto para Bruxelas mostrar finalmente o cartão verde ao Banco de Fomento? Foi precisa uma pandemia de Covid-19?
Nós recebemos um cartão verde! Não era aquele que queríamos, mas recebemos um cartão verde em maio de 2014, na segunda avaliação da troika. Não podemos criar uma instituição financeira com um âmbito tão largo como o que gostaríamos mas, ainda assim, foi possível criar a instituição, dotá-la de capital e permitir que pudesse, por exemplo, reciclar 1600 milhões de euros de fundos comunitários, reversíveis, que iríamos ter no período 2016-2020, à medida que as empresas fossem usando os programas de Portugal 2020.
Talvez neste momento o ambiente que permite esta fusão de instituições, dado o tempo de emergência que vivemos, seja um ambiente mais favorável. Mas acho que se essa tivesse sido uma prioridade do primeiro Governo socialista, essa fusão já teria sido conseguida e este banco já estaria a funcionar de uma forma mais ativa nesta crise económica, que agora estamos a viver.
Qual deve ser agora a prioridade?
Agora, aquilo que é importante é que num periodo de tempo tão curto quanto possível, se funda na instituição financeira de desenvolvimento as instituições que o Governo agora declarou como objetivo - a PME Investimento e a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua, - para que aprovações de crédito, seguros de crédito, articulação de linha de financiamento para apoio à economia, possam ser agilizadas de outra maneira.
O que acha deste Banco de Fomento do Governo de António Costa?
Mais vale tarde do que nunca. A criação do Banco de Fomento tem sofrido alguns percalços e parecia, de certa forma, um desinvestimento por parte do Governo socialista de 2016 a 2019, mas creio que neste momento devemos estar a procurar recuperar algum tempo perdido e também aproveitar a conjuntura internacional.
Há aqui uma mudança de estratégia de António Costa, do primeiro para o segundo Governo, muito antes da crise pandémica. Na sua opinião, o que terá levado a esta alteração?
Penso que a mudança que terá existido no ministério da Economia com a chegada de Pedro Siza Vieira terá correspondido à retoma do projeto do Banco de Fomento.
De 2016 a 2018, aquilo que se sentia era que o projeto estava de alguma forma parado. A instituição funcionava em serviços mínimos e era mais notícia pelas mudanças que iam existindo no nível da administração e pelo facto de estarem com número limitadíssimo de intevenientes do que pela atividade, do ponto de vista de serviços às empresas. Talvez essa visão relativamente ao papel da instituição financeira de desenvolvimento tenha sido alterada com a entrada de Siza Vieira no Governo, a sua ascenção a número dois do governo, o maior peso da área económica no Governo e também com este período de crise que estamos a viver.
Porque, sendo certo que a prioridade ao Banco de Fomento estava clara no programa do Governo com que o PS se apresentou no parlamento em outubro de 2019, a verdade é que só com a chegada desta crise, ligada à pandemia, é que verdadeiramente o Governo tomou as decisões ou formalizou as decisões que permitem agora ter esperança que esta inquisição possa funcionar em outras moldes, eventualmente a partir de 2021.
Fala em 2021, acha que o Banco de Fomento ainda chegará a tempo para ajudar a combater os efeitos da crise?
Gostaria de pensar que sim mas, realmente, o banco neste momento, como instituição que funcionam como catalisador de outras instituições e que imponha uma certa racionalidade, na aplicação de linhas de financiamento, garantias de seguros de crédito, neste momento não está a operar.
Logo veremos qual é o tempo necessário ao nível dos trâmites com a comissão, para que se opere esta fusão. Se esse tempo for relativamente curto e o banco estiver em condições de funcionar ainda no principio de 2021, talvez possa ainda ter um papel no projeto de recuperação económica que viveremos, sobretudo a partir desse ano. Depende sobretudo de fatores que o próprio Governo não controla, porque as burocracias são muitas nestes processos, nós passámos por isso quando eu estava no Governo, de 2013 a 2015, e seguramente continuarão a existir. Talvez este clima de crise e de emergência a nível europeu possa facilitar as aprovações que são necessárias em Bruxelas. Espero que sim.
Já que fala na sua passagem pelo Governo, o que falhou antes, porque é que esta ideia do Banco de Fomento não vingou?
Tinha que seguir determinados trâmites, é um banco com capitais públicos, desde logo aí está sujeito a um escrutínio muito intenso por parte das autoridades europeias.
Só posso falar pelo período que vivi enquanto governante, de julho de 2013 até outubro de 2015, realmente a prioridade à criação de uma instituição financeira de desenvolvimento foi dada, do ponto de vista do discurso público, pelo primeiro-ministro em julho de 2013. Constituímos de imediato uma comissão instaladora, com representantes do ministério da Economia, das finanças e do desenvolvimento regional, que levou a que o banco fosse formalmente criado em conselho de ministros em outubro de 2014.
Foi um processo que demorou cerca de 1 ano, não era fácil criar uma instituição destas com as desconfianças que existiam ao nível da troika, nessa altura. O banco público, a Caixa Geral de Depósitos, e muito outros bancos privados eram conhecidos por terem necessidade de reconhecer muitos imperments (perdas) na gestão dos últimos anos, créditos malparados, e a nossa situação era particularmente delicada. Depois demoramos mais algum tempo, alguns meses, a obter a licença do Banco de Portugal.
Fizemos aquilo que era possível, com as condicionantes externas que existiam. Ainda assim, o banco ficou a operar em julho de 2015 e lançou a sua primeira linha de capitalização e os seus primeiros planos para poder atuar. Nomeadamente, a intenção de fundir a PME Investimento, a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua, a Sofid, a Portugal Ventures, numa única instituição. Nós aprentámos esse projeto à Comissão Europeia, em setembro de 2015. Esta já era a intenção do Governo de então.
O facto do Banco de Fomento responder a diferentes tutelas pode ser uma ameaça ao projeto?
É um falso problema. Pelo menos no nosso tempo, em outubro de 2014, quando o banco foi criado, ficou claro que a tutela dominante, relativamente ao Banco de Fomento, era o Ministério da Economia. Portanto, foi a Economia que propôs a administração do banco e, digamos, ficou com a responsabilidade de liderar o banco.
Penso que agora se está a passar o mesmo. Eu ligo esta maior celeridade actual ao facto do ministro Siza Vieira ter agarrado este projeto e o ministério da Economia estar a liderar o processo. É evidente que depois, como qualquer instituição financeira, há relações a que a instituição tem que obedecer, nomeadamente com o Banco de Portugal. Não é um banco que possa funcionar apenas na tutela do Ministério da Economia, mas creio que se essa alocação de responsabilidades estiver bem definida e o banco tiver a sua principal tutela claramente definida, o ministério da Economia, tem condições para avançar de uma forma mais rápida a favor da própria economia e do funcionamento das empresas.
O projeto foi criticado na altura por vários responsáveis dos maiores bancos. O Banco de Fomento é uma ameaça à banca comercial?
Eu creio que não deveria ser. Primeiro, porque a vocação deste banco, pelo menos tem sido esse o entendimento, é de ser um banco grossista, que não opera diretamente no retalho, que não vai receber depósitos nem dar créditos directamente a pessoas nem a empresas.
O banco prepara produtos e articula-se com entidades internacionais, por exemplo o Banco Europeu de Investimento, para a criação de linhas de financiamento que depois, suponho eu, serão canalizadas para os clientes pela banca que já existe.