O Partido dos Trabalhadores (PT) está mais unido que nunca em torno da prisão do ex-Presidente Lula da Silva, garante, em entrevista à Renascença, Tarso Genro, dirigente do PT.
De passagem por Lisboa, onde participou numa iniciativa "Em defesa da democracia brasileira", o ex-governador do Rio Grande do Sul e antigo ministro da Justiça, da Educação e das Relações Exteriores afasta qualquer possibilidade de cisão no partido por orfandade de liderança.
Tarso Genro adianta que o PT, nas próximas eleições, não irá avançar com um nome alternativo ao do ex-Presidente porque isso seria uma forma de "concordar com esse impedimento artificial que a direita, com uma parte do poder judiciário, está fazendo contra Lula".
Genro reconhece, no entanto, que o PT terá de "admitir, eventualmente, a possibilidade de apoiar outro candidato" de outro partido da frente de esquerda, que se está a tentar formar no Brasil. Ele próprio não será candidato porque não tem "capacidade nem maioria partidária para isso".
Para Tarso Genro, "qualquer Presidente da República que seja eleito pela direita, se Lula não for candidato, não terá legitimidade".
Com a prisão de Lula da Silva, como é que fica o Partido dos Trabalhadores?
O partido nunca esteve tão unificado como agora. Unificado em torno da defesa do Lula, da sua liberdade, da sua denúncia como preso político. E unificado, inclusive, com outros setores da esquerda no Brasil, tentando formar uma grande frente política e democrática sobre a hegemonia da esquerda.
A esquerda brasileira está a unir-se para retomar o poder no Brasil?
Dentro desta tragédia de arbitrariedade que está ocorrendo contra o Presidente Lula, estamos nos organizando melhor e sustentando, inclusive, um nível de renovação política do campo da esquerda.
Uma frente de esquerda, unida contra a direita?...
Sim, uma frente não subordinada a uma visão autoritária e antidemocrático que vem caracterizando o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que era nosso aliado, mas que se tornou num partido golpista.
Apesar de estar preso, Lula da Silva vai continuar a ser o pré-candidato presidencial do PT. Se Lula for impedido de fazer campanha, quem o vai substituir? Pode ser Tarso Genro?
Eu não tenho capacidade para isso, nem tenho maioria partidária para isso. Mas o Lula vai ser o nosso candidato até ao limite em que o Tribunal Federal disser que ele não poder ser. Não podemos recuar dessa posição, porque isso significaria abandonar a nossa coerência em relação ao que está acontecendo com o Lula.
Nós achamos que o Lula está sendo injustiçado, que o seu processo é mais político do que judicial e que ele tem direito a ser candidato a Presidente da República. Se o Supremo disser que ele não pode ser, aí, vamos examinar.
Têm outros nomes?
Estamos conversando com os outros setores da esquerda, que respeitam o Lula, que defendem a posição de que ele é um preso político e defendem a sua liberdade. E isso está nos ajudando a alimentar um novo espírito frentista no Brasil, mais ousado, mais criativo e mais amplo, inclusive.
Mas um futuro candidato será do PT ou de um dos outros partidos da esquerda?
Não se sabe. Temos de admitir a possibilidade de apoiar um outro candidato. Agora, o PT tem quadros para eventualmente apresentar um [outro] nome para ser candidato a Presidente da República. Mas não podemos tratar disso com antecipação desnecessária, porque isso pode fazer parecer que estamos concordando com esse impedimento artificial que a direita, com uma parte do poder judiciário, está fazendo contra Lula.
Com a qual não concordam...
Não concordamos, absolutamente. Não concordamos com essa perseguição e achamos que não serve a democracia. Não sendo Lula candidato, um Presidente da República que venha a ser eleito pela direita ou centro-direita não vai ter legitimidade para governar. Porque não terá derrotado aquele que é o principal líder popular no nosso país, nas décadas recentes.
Como é que o PT vai capitalizar esta popularidade de Lula, que foi visível no dia da sua prisão? O objetivo é apostar na apostar na transferência de voto?
Não se trata de uma técnica, não há uma técnica de transferência. Isso é um processo político que surge à medida que o Lula tem sido perseguido e que a população está notando já que é uma perseguição artificial, que tem propósitos políticos. É claro que o Presidente vai ter uma maior capacidade de cativar [o eleitorado] do que tinha no começo desse debate.
Veio a Portugal para afirmar a inocência de Lula da Silva?
Não. Achamos que, hoje, as questões relacionadas com a democracia são universais. Esse défice de democracia que está ocorrendo no Brasil é um défice que ocorre em toda a América Latina e começa a ocorrer também em vários países da Europa.
É ver o que aconteceu em França, por exemplo. Em 90 dias, criaram um candidato [Emmanuel Macron], criaram um partido, criaram uma maioria na Assembleia Nacional, criaram um Presidente da República... E criaram um programa, inclusive, que é impossível de ser cumprido. Isso é um défice do processo democrático, quando a política se torna uma aventura e uma construção mediática.
Esta questão que estamos discutindo em relação ao Brasil, é hoje uma questão universal do projeto democrático moderno.
Repito: este roteiro internacional não é uma forma de declarar a inocência de Lula?
Não. Nós, do Partido dos Trabalhadores, e uma grande parte do povo brasileiro entendemos, sim, que o Lula é inocente. E que, como qualquer cidadão, ele pode ser processado. Mas esse processo não pode se tornar uma injustiça persecutória, que é o que está acontecendo com ele.
Há uma petição online que propõe Lula da Silva para Nobel da Paz. Acha possível vir a acontecer?
Tomara que sim. Vamos ver se é possível [risos], mas tomara que sim.