Os portugueses, tal como os europeus, vivem virados para a costa, mas estarão a retirar dele todo o potencial possível? E estará isto a ser feito tendo em conta a protecção do mar?
Na União Europeia, a conservação dos mares foi definida como prioridade em 2008, através da Directiva-Quadro Estratégia Marinha. Mas, na prática, estas metas estão a ser cumpridas?
São perguntas colocadas pela jornalista Teresa Abecasis, que esteve na apresentação dos resultados do projecto "Blue Society", financiado pela Comissão Europeia. O evento foi organizado pelo gabinete do eurodeputado socialista Ricardo Serrão Santos e realizou-se no dia 18 de Novembro de 2015, em Bruxelas.
Neste programa traçamos um retrato sobre o estado dos mares na Europa, sem esquecer a Política Comum de Pescas, que tanto dá que falar todos os anos, em Dezembro.
Olhando para o mapa da Europa, vemos um continente rodeado de mar, com uma linha de costa de 68 mil quilómetros. Quase metade da população europeia vive a menos de 50 quilómetros da costa. Para se ter uma noção, a área total marítima sob a responsabilidade dos Estados-membros da União Europeia é maior do que a área terrestre ocupada por esses mesmos países.
Um problema escondido debaixo do mar
Os problemas estão identificados há muito tempo: perda de biodiversidade, poluição, sobreexploração de recursos, e ainda as ameaças colocadas pelas alterações climáticas.
Em 2008, a União Europeia publicou a Directiva-Quadro Estratégia Marinha, onde estão estabelecidos objectivos de prevenção, protecção e conservação dos mares face à actividade humana, mas as estratégias concretas para atingir estes objectivos partem dos Estados-membros.
Ricardo Serrão Santos, eurodeputado do Partido Socialista, lamenta que ainda não se tenha passado das intenções aos actos. Ainda assim, o cenário está a mudar, garante o investigador alentejano que se mudou para os Açores, antes de chegar a Bruxelas. Foi director do departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores e Presidente do Instituto do Mar: “Para nós, que nos interessamos pelos assuntos do mar, é estranho que os oceanos não tenham uma presença mais relevante na agenda internacional, mas é uma coisa que eu noto desde há muitos anos. Porque toda a actividade económica neste momento, muito dela é feita nas zonas terrestres, e os oceanos são, quanto muito, considerados auto-estradas de passagem, ou de sobrevoo”.
Agora, com a escassez de recursos, as preocupações estão a aumentar. A questão ambiental ganhou relevância porque as alternativas já não chegam para uma população que não pára de crescer e que consome cada vez mais, nota o eurodeputado.
Quatro décadas de costas voltadas para o mar
“Nos últimos 30/40 anos estivemos de costas viradas para o mar, e o nosso capital esteve de costas viradas para o mar também”, afirma Tiago Pitta e Cunha. Este especialista em Política de Oceanos e Assuntos Marítimos não hesita em afirmar que, apesar de todo o azul que nos rodeia, as sociedades humanas “são castanhas”, construídas em terra, de costas para o mar e para as potencialidades que este oferece: “Nós vemos as florestas, e portanto, se estiverem a cortar as árvores, nós erguemo-nos contra a desflorestação, como se erguem há muito tempo muitas organizações não-governamentais, ambientais, e como hoje em dia se erguem os próprios Governos dos territórios que começaram a ser desflorestados. Mas, no mar não”.
“Nós acabamos por ter uma ideia romântica do mar. Toda a gente gosta do mar, mas toda a gente gosta do mar azul, da poesia, dos tempos livres, do bem-estar que o mar traz”, diz este especialista, acrescentando que é preciso mudar mentalidades. A ideia de um mar romântico tem de dar lugar a uma postura mais activa. E a solução para muitos problemas pode estar debaixo de água. “Cada vez que replantamos um solo, estamos a libertar todo o CO2 acumulado no solo. No mar não é assim, é ao contrário. O mar é hoje um dos maiores depósitos de CO2. Mais do que as florestas... e as pessoas não sabem disso”, lembra.
Um futuro sustentável, defende Tiago Pitta e Cunha, passa por aproveitar melhor os recursos do mar. E isto implica também, menos pesca, de maneira a preservar o ambiente marinho. E mais aquacultura. E ainda comer mais algas. Do ponto de vista energético, será preciso desenvolver energias renováveis nos oceanos. Um passo há muito anunciado, mas que mal saiu do papel. Em Portugal, há falta de investimento, mas “não é por falta de recursos. É por falta de informação”.
Política de pescas vs defesa do ambiente
Gonçalo Carvalho é coordenador da PONG Pesca, uma plataforma de Organizações não-Governamentais Portuguesas dedicadas à pesca. Investigadores e ambientalistas que se organizaram para dar força ao factor azul, do ambiente marinho, mas garantem que nas suas prioridades pesam também os factores económicos e sociais.
A Pong Pesca surgiu no início do processo de revisão da Política Comum de Pesca, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2014. Foram os últimos a sentar-se à mesa das negociações que envolve ainda pescadores e governantes. A Política Comum de Pesca traçou objectivos ambientais claros, mas, dois anos depois, essas metas não estão mais perto. Um dos objectivos é conseguir, até 2020, obter o rendimento máximo sustentável em todas as espécies de pescado. Isto é, conseguir uma exploração que maximize os lucros dentro dos limites da sustentabilidade.
Portugal e os outros Estados-membros da União Europeia revêem todos os anos, em Dezembro, as quotas de pesca por espécie. E, no mês passado, os limites estabelecidos pelos pareceres científicos foram ultrapassados. “Portugal não se portou bem. Porque para a maioria dos "stocks" que envolvem Portugal, foram definidas quotas acima do que eram os pareceres científicos. E isso não foi justificado”, queixa-se Gonçalo Carvalho.
A quota da sardinha não é definida a nível europeu, mas bilateralmente entre Portugal e Espanha. Ainda assim, e a pedido da Comissão Europeia, o Conselho Internacional para a Exploração do Mar, emite todos os anos um parecer sobre a captura deste peixe. Em Julho passado, este organismo recomendou que em 2016 não se apanhem mais do que 1.600 toneladas de sardinhas. Este número representa um décimo do permitido em 2015 e foi, durante o ano passado, motivo de vários protestos por parte dos pescadores. O que está em causa é a sobrevivência do peixe mais consumido pelos portugueses e, por isso, neste caso, o factor ambiental tem de falar mais alto.
A importância de “não perder a onda”
É importante não deixarmos escapar a onda do ambiente. Rita Nogueira, bióloga e surfista, não se cansa do mar: “Como bióloga, acredito que todos nós nascemos pela primeira vez na água. E ela faz parte do nosso corpo”.
Há sete princípios básicos sobre os oceanos que todos devíamos conhecer e ter em conta nas nossas acções do dia-a-dia, diz esta bióloga: “Tal como temos os direitos humanos, e estão enumerados, com o mar também houve a necessidade de os criar e são fáceis de lembrar”.
Os princípios usam palavras de simples, tão simples que até uma criança os percebe: “O Oceano exerce uma influência no clima. O Oceano permite que a terra seja habitável. O Oceano e a Humanidade estão fortemente ligados”. Não há nada de difícil até aqui, mas será que as pessoas aplicam estes princípios no dia-a-dia?
Rita Nogueira diz que a resposta é difícil. No que diz respeito a proteger o ambiente, as crianças têm melhor nota do que os adultos, para quem esta é a última de muitas preocupações: “Nós, os adultos, estamos com dificuldades económicas, nas relações humanas, no trabalho. E isso tira-nos tempo e força anímica. Com os miúdos não é assim, eles têm uma capacidade de desligar”.
Mas há uma excepção entre os adultos, de acordo com esta bióloga que também pratica surf: “Eu vejo que quem faz surf, gosta do mar e cuida muito. Não deixam lixo nas praias, há toda uma preocupação com o sítio onde deixam os carros, é tudo muito natural”.