A construção de “uma nova abstração jurídica” que crie a figura do clima estável como um bem jurídico e o reconheça como património da Humanidade foi hoje discutida na Reitoria da Universidade do Porto.
O professor na Faculdade de Direito da Universidade do Porto e investigador do CIJE Paulo Magalhães esclareceu que a ideia é “construir uma nova abstração jurídica, capaz de representar o global, no direito, para os homens conseguirem gerir um bem comum”.
A ideia de reconhecer o clima estável como património da Humanidade chegou ao parlamento pela mão da comunidade académica, que fez circular um abaixo-assinado que galvanizou mais de 250 académicos portugueses.
O PS, o PSD e o PAN apresentaram projetos de resolução nesse sentido.
“Ele [o clima estável], não só é um bem comum porque é indivisível materialmente e juridicamente, como é um bem económico, como a qualidade dele é ilimitada”, detalhou o jurista.
O grande impulsionador do conceito de “casa comum”, que permitiria este reconhecimento legal, realçou as contradições do sistema de Direito e a sua incapacidade de encaixar a emergência climática no sistema e defendeu a mudança do paradigma económico, nomeadamente do mercado de emissões, que deve compensar quem tem capacidade de captar emissões de gases de efeito de estufa.
Já a professora da Faculdade de Direito da UP Maria Regina Redinha apontou que “O Direito é a única fórmula que permite a afirmação de uma situação de prevalência de determinado interesse face a outro interesse” e que “só com o estabelecimento de um concreto direito é que se pode, no fundo, ter proteção, preventiva e repressiva, em toda a sua plenitude”.
Com a aproximação da 26.ª Conferência do Clima, que arranca em Glasgow, na Escócia, no próximo domingo, Alexandre Quintanilha, deputado do PS à Assembleia da República e professor jubilado da Universidade do Porto, começou por mostrar o lado pessimista que “há 25 anos andamos a discutir a necessidade de mitigar as emissões e há 25 anos que não só aumentam, como aumentam de forma acelerada”.
Pelo lado positivo, deixou a previsão de desaceleração do crescimento demográfico a nível mundial, mas também um caminho que vem sendo traçado na transição para energias renováveis, na ideia de economia circular, numa agricultura mais inteligente, e um uso mais eficiente dos recursos.
Por último, lembrou que “as alterações climáticas estão a acontecer, vão continuar a acontecer”.
“Suspeito que vamos ter de nos adaptar e continuar a adaptar durante muito tempo”, rematou.
Neutralidade carbónica é um "desafio brutal"
O presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Filipe Duarte Santos, destacou que os pontos da agenda para a conferência de Glasgow estão já desatualizados.
Referindo que um dos pontos sugere que se estabilize a concentração de gases de efeito de estufa na atmosfera, o especialista sublinhou que, para “baixar a temperatura, é necessário que a concentração mergulhe”.
“Isso é um desafio brutal, e exige que as emissões cheguem a zero, ou sejam neutras, havendo uma compensação”, adiantou.
Para a professora catedrática de Ecologia na Universidade de Coimbra e diretora do Centro de Ecologia Funcional Helena Freitas, “a transição está já a impulsionar uma nova revolução industrial, gerando atividade económica e postos de trabalho”.
A cientista referiu que “os investimentos públicos serão fundamentais, não apenas em si mesmos, mas para mobilizar também o capital privado” e frisou os aspetos sociais, como a necessidade de garantir que “os empregos do futuro devem ser de qualidade e bem remunerados, que ofereçam segurança e impulsionem as economias locais”.
“Não necessitamos apenas de uma transição, mas de uma transição justa”, defendeu.
O presidente da associação ambiental Zero Francisco Ferreira reconheceu que as negociações internacionais não são fáceis, mas “são fundamentais para acrescentar à mudança”.
“Se calhar ainda vamos ter uma Lei Portuguesa do Clima antes do Orçamento”, brincou, antes de adivinhar que o país terá “uma Lei Portuguesa do Clima que será, esperamos, uma grande forma de consenso”.
O filósofo Viriato Soromenho-Marques, a quem coube o encerramento da sessão, relevou que “a ideia de clima como património comum tem um efeito extremamente importante na mudança do modelo das relações internacionais”.