Mesmo depois de os talibãs terem sido fotografados no palácio presidencial, em Cabul, Zarifa Ghafari, que foi a mais jovem autarca do Afeganistão, resistiu à ideia de sair da sua terra natal para o estrangeiro.
Eventualmente a pressão da sua mãe e do seu marido venceram e com a ajuda de muitas pessoas, em muitos países, conseguiu assegurar uma passagem para a Turquia e depois para a Alemanha.
“Para sair do meu país beneficiei da ajuda de muitas pessoas, da Turquia, Alemanha, Itália e outros países, todos em conjunto a tentar assegurar um abrigo seguro para a minha família. Eu sentia-me muito responsável. Já tinha perdido o meu pai e não queria que mais ninguém tivesse de pagar o preço das minhas causas. Por isso tinha de lhes dar guarida quando estavam já em grande perigo”, explica a ativista, em conversa com a Renascença.
“Saí do país sem saber ainda onde é que iria terminar a viagem. Fui para a Turquia e de lá, com a ajuda de muitas pessoas, consegui chegar à Alemanha. Agora tenho lá a minha família.”
Esta ativista pelos direitos das mulheres dedica-se agora a viajar pelo mundo a falar por todas aquelas cujas vozes foram silenciadas pelo novo regime afegão. Tem o corpo marcado pelos efeitos de uma explosão – uma das três tentativas frustradas de a assassinar – e recusa a ideia de se calar.
“Ser um alvo para os talibãs e sobreviver a três ataques e ao assassinato do meu pai pelos talibãs foi muito difícil. No dia em que Cabul caiu para os talibãs eu não queria sair do país, mas depois a minha mãe e o meu marido pressionaram-me para sair, pelo menos durante algum tempo, para sobreviver. Morrendo não conseguia mudar nada, mas sobrevivendo sim, por isso tinha de sair.”
“O momento em que saí do meu país foi mais difícil do que a morte do meu pai, ou de qualquer dor que senti na minha vida até então. A única coisa que me dava algum conforto é a forma como estou a aproveitar todas as oportunidades para falar em nome daqueles que no meu país não têm voz”, explica.
Mais nova autarca afegã
Zarifa Ghafari tinha apenas 26 anos quando foi eleita presidente da Câmara de Maidan Shahr, capital da província afegã de Wardak. Enquanto ativista pelos direitos das mulheres tem consciência de que tem a vida a prémio no Afeganistão. A chave para mudar o seu país natal está, insiste, no país vizinho.
“A primeira coisa a fazer é colocar pressão sobre o Paquistão para parar de apoiar e abrigar os terroristas. Isto sempre foi um problema grave no Paquistão. Há mais de 60 anos que o Paquistão interfere diretamente no Afeganistão e, mais, agora que os talibãs ocuparam o Afeganistão todos os dados de todos os departamentos governamentais foram passados aos serviços secretos do Paquistão.”
“O atentado que aconteceu em Nova Iorque em 2001 pode repetir-se em qualquer lugar do mundo se não impedirmos isto. Quando Bin Laden foi apanhado estava a viver numa casa grande e segura, junto a uma base militar. Isso mostra como é que o Paquistão está a apoiar o terrorismo em todo o mundo e a alimentá-lo, a patrociná-lo. O mundo tem de agir com firmeza em relação a isto”, apela Zarifa.
Minissaia ou burqa, desde que seja a sua decisão
Enquanto vê imagens dos novos senhores do Afeganistão a reprimir as mulheres, Zarifa sonha com novos tempos, sabendo que é preciso investir na educação. “Tem a ver com a educação, com o direito ao trabalho, com a liberdade de expressão, de vestir o que quiser. Se quiser usar uma minissaia, um fato, ou mesmo uma burqa, a decisão é sua. Isso tem de ser respeitado e protegido. Há muita razão para ter esperança. Estamos a assistir a uma onda de solidariedade global com as mulheres afegãs. O que mais me dá esperança é que as mulheres não têm medo de levantar a voz em solidariedade com as mulheres afegãs, apoiando-as e, sobretudo, a tentar promover a educação das mulheres afegãs, o que é chave para o desenvolvimento de um país e uma vida pessoal.”
Em Portugal para promover esta causa, Zarifa convida todos os que querem demonstrar a sua solidariedade a assinarem uma petição de apoio, que será depois usado para pressionar os grandes organismos internacionais a agir em prole das mulheres e minorias oprimidas no Afeganistão, e despede-se com palavras de alento.
“Estamos a ver a coragem das mulheres que estão a protestar contra os talibãs, como estão a aguentar-se firmes. Olhem para mim! Eu não desisto, mantenho-me firme e continuo a fazer o meu trabalho e a falar por aqueles que não têm voz, sobretudo as mulheres do Afeganistão.”
A missão de Zarifa já a levou a vários países e a encontrar-se com um grande número de figuras públicas, incluindo mulheres influentes como Angela Merkel. Valeu-lhe também o prémio Mulher Internacional da Coragem, atribuído pelos Estados Unidos em 2020, altura em que ainda vivia no seu país.