“Quando se tem problemas internos arranja-se um problema externo”, é a esta velha tática histórica, tantas vezes usada, que se assiste mais uma vez na história que se começou a escrever no dia 24 de fevereiro relativa à Rússia e à Ucrânia.
No seio militar ninguém arrisca fazer prognósticos. Os mais otimistas acreditam que ambas as partes querem sair bem na fotografia e que em breve haverá um acordo, já os mais pessimistas recordam que também as duas grandes guerras começaram desta forma.
Para o Almirante Melo Gomes, antigo chefe do Estado-Maior-General da Armada, “o que está a acontecer é o costume: quem tem força usa-a, quem não tem invoca o direito internacional e pede ajuda” recordando que a história já foi escrita, noutros casos, por ocupações tímidas de espaços soberanos e uma diplomacia que acredita que consegue controlar.
Como membro atual da Comissão Portuguesa para o Atlântico prefere não comentar o conflito que considera “grave.”
O Tenente-Coronel Marco António Ferreira da Cruz, do Centro de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Universitário Militar, num artigo sobre a “NATO 2030”: A sobrevivência numa nova era, sublinha que “o ano de 2007 marca uma nova viragem na relação entre a Rússia e os EUA, e consequentemente, com a NATO”.
E explica que durante um encontro anual sobre segurança, realizado na cidade alemã de Munique, o convidado de honra Vladimir Putin, além de ter sublinhado que a implosão da União Soviética foi o principal erro geopolítico do Século XX, “contestou as políticas de alargamento para Leste das organizações ocidentais (NATO e UE), e reclamou um novo papel para a Rússia na Ordem Internacional”.
O professor explicava, por isso, que se adivinhava “um agravamento nas relações entre a NATO e a Rússia.”
Na história mais recente em 2008, a Rússia invadiu a Geórgia para depois em 2014 Moscovo ordenar a invasão da península ucraniana da Crimeia, com Putin a alegar razões históricas mas também de segurança dos russos, que representam a população maioritária nesse território.
Marco Cruz referia ainda que "ao nível político, não existe um consenso na NATO relativamente à tipologia das ameaças que afetam a própria organização, razão pela qual se procurou identificar um conjunto alargado de ameaças. A relação dos Aliados com os adversários sistémicos (Rússia e China) não é igualmente consensual, existindo entre os Aliados políticas externas distintas, que vão de dependências económica a “guerras” comerciais. Nesse sentido, o consenso relativamente à aplicação de medidas por parte da NATO torna-se bastante complexo, afetando a coesão e a credibilidade da organização.”
A Renascença contatou outras fontes militares que preferiram o anonimato, sublinham que Moscovo procura assumir-se como pivot geopolítico global, tornar-se mais relevante, e não está disposto a perder a “zona tampão” entre a Rússia e o Ocidente.
A Ucrânia a par da Bielorrússia e da Geórgia é considerada uma zona vital e lembram que Vladimir Putin já fez saber que a Ucrânia e a Bielorrússia só entrariam para a Nato “por cima do seu cadáver”, seria uma ofensa à independência territorial Russa que define fronteiras não através de espaços físicos mas sim por afinidades culturais. Putin terá receio da democratização dos territórios destes dois países independentes e a entrada na NATO seria um “seguro de vida”.
A Ucrânia é livre de aderir à NATO desde que isso não coloque em risco a soberania de outros Estados, ora é precisamente isso que a Rússia alega.
A Rússia é o maior país do mundo com cerca de 17 milhões de quilómetros quadrados e ao contrário do que se pensa Putin não consegue controlá-lo por completo. A desejada coesão é quebrada por correntes de oposição que defendem aproximações ao ocidente e à democracia.
Ora perante um país que lidou mal com a pandemia da covid-19, que tem nesta altura uma economia muito enfraquecida (a Rússia apresenta um PIB semelhante ao da Espanha e da Itália) a coesão nacional não apresenta os níveis desejados daí que o presidente russo se tenha agarrado na única instituição que funciona, a militar, para mobilizar o povo para um problema externo mas que ameaçara alegadamente o país.
Fontes militares dizem que as tropas de Moscovo não têm muito perfil para combates de desgaste e de longa duração, ao mesmo tempo que outros recordam que a Rússia é considerada, atualmente, a primeira potência com maior capacidade bélica em termos terrestres, aéreos, navais, aeroespaciais e tecnológicos sublinhando, no entanto, que “grande parte dos investimentos russos têm como destino a venda para terceiros, sacrificando por vezes o reforço das capacidades militares das suas Forças Armadas.”
O Ocidente envolver -se neste conflito seria para alguns “catastrófico”, sublinha uma das fontes militares ouvidas pela Renascença com consequências claras para todos os países e Portugal incluído. Esta é uma situação que tem por isso de ser “gerida com pinças.”
Consideram pouco provável a Rússia optar pelo corte de gás e petróleo à Europa uma vez que a verba da venda destas matérias é fundamental para o aparelho militar onde é investido grande parte do dinheiro.
A China
Este é também um conflito que estará a servir de teste para outros cenários de invasão. A China, lembram, tem ficado praticamente muda não fazendo comentários significativos sobre este conflito.
As esferas militares acreditam que “está à espera para ver”, isto porque a China também quer anexar e tomar o poder de Taiwan e precisa calcular ou até prever a reação internacional.
A Turquia
Este país membro também ele da NATO tem grandes relações com a Rússia não só no negocio de compra de armamento como de gestão do mar negro, algo que dificultará sempre uma tomada de posição unanime dos membros da NATO neste conflito.
Final deste conflito
Independentemente do desfecho que este conflito venha a ter uma coisa parece certa para quem se move no meio militar: a Ucrânia terá sempre uma soberania limitada por estar perto geograficamente da Rússia, por isso, qualquer acordo será sempre problemático.
E uma coisa parece ser certa, este conflito só terá fim com a garantia escrita de que a Ucrânia não entrará para a NATO nem para a União Europeia. Há mesmo quem defenda que as negociações nunca deviam ter começado, porque já se sabia de antemão que isso representaria uma ameaça e afronta ao território russo.
A primeira vítima deste conflito -dizem fontes militares à Renascença- é a verdade numa guerra que não se faz apenas de bombardeamentos mas de muita contrainformação.