António Vitorino. “O interesse da Comissão não era comprar uma guerra com o Governo português”
05-02-2016 - 18:24
 • José Pedro Frazão

Uma negociação não é um braço de ferro, diz António Vitorino na Renascença. O antigo comissário europeu explica que tanto Bruxelas como Lisboa não podiam arriscar um conflito aberto sobre o orçamento português.

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O antigo comissário europeu António Vitorino não se mostra surpreendido com a aprovação do Orçamento do Estado (OE2016) português por Bruxelas, ainda que com avisos sobre o risco de não cumprir as disposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

No programa “Fora da Caixa”, a emitir esta sexta-feira na Edição da Noite da Renascença, o antigo ministro do PS defendeu que nem Bruxelas nem Lisboa tinham interesse num conflito sobre o OE2016.

“Politicamente, a narrativa oficial da União Europeia é que o caso português foi um sucesso. Agora, não era exactamente muito fácil explicar que de repente tinha passado de sucesso a insucesso sem ‘comprar uma guerra’ com o governo português. Neste momento, o interesse da Comissão Europeia não era ‘comprar uma guerra’ com o governo português, uma vez que – é importante dizê-lo – o governo português teve uma atitude diferente do governo grego e foi negociando”, observa o antigo comissário europeu.

Governo fez bem em negociar

Vitorino saúda a estratégia do Governo português no diálogo com a Comissão Europeia sobre o OE2016. “Politicamente, o governo não ganhava nada em ‘comprar uma guerra’ com Bruxelas e, portanto, fez bem em negociar”, analisa o antigo governante socialista.

Os argumentos esgrimidos nos últimos dias fazem parte de uma normal negociação, defende Vitorino. “Um braço de ferro é um conflito e não uma negociação. As negociações são sempre testes de força de um lado e do outro. Foi o que se passou”, assegura o ex-ministro, que está convicto de que Bruxelas “não tinha particular interesse em criar um segundo caso a par da Grécia”.

O comentador do “Fora da Caixa” lembra que há outros países no mesmo barco de alguma desconfiança por parte de Bruxelas.

“Espanha ainda tem pendente um contencioso com a Comissão sobre o seu orçamento deste ano que só não está resolvido porque ainda não há governo em Espanha. Outros países também receberam recomendações semelhantes dizendo que os respectivos orçamentos envolviam grandes riscos”, recorda Vitorino.

Uma decisão política de Bruxelas

Ao longo das últimas semanas, o debate entre Lisboa e Bruxelas centrou-se publicamente na intensidade do esforço de diminuição do défice estrutural e Portugal.

António Vitorino considera a questão “bizantina”, sujeita a várias opiniões técnicas. O antigo comissário puxa da sua experiência para vincar a natureza política da luz verde de Bruxelas ao Orçamento português. “A Comissão Europeia tem sempre essa dupla função. É uma comissão que se resguarda nas questões técnicas, mas na realidade faz opções políticas”, esclarece Vitorino.

O antigo comissário identifica duas razões fundamentais para a ênfase dada por Bruxelas às questões técnicas: “Primeiro porque [a Comissão] tem consciência de que o que acordar com um Estado constitui um precedente para outros e tem que estar particularmente atenta a esse aspecto. Por outro lado, não pode ser acusada de tratar casos idênticos de maneira diferente. Só que em matéria orçamental não há casos idênticos. Cada caso é um caso, cada país tem a sua própria realidade. No fim da linha, por muitas questões técnicas que se coloquem, a decisão é política. Esta é uma decisão política”, sentencia Vitorino no debate de temas europeus e internacionais da Renascença.

Próximo teste em Maio ou Junho

Bruxelas manterá vigilância apertada sobre a política orçamental de Portugal. Nada de novo, lembra António Vitorino, que remete um novo momento de tensão entre Bruxelas e Lisboa para o fim da Primavera.

“ A prova do pudim está em saboreá-lo. Um orçamento só é bom quando executado. Neste momento, o Orçamento só vai começar a ser executado em Abril. O próximo ‘rendez vous’ é menos de execução orçamental e mais pela apresentação pelo Governo do esboço de Orçamento do ano que vem, que acontecerá entre Maio e Junho. Nessa altura já haverá alguns dados, não muitos, de execução deste orçamento que muito provavelmente só começar a ser aplicado a 1 de Abril. Terá dois meses de aplicação e de execução quando o Governo tiver que apresentar as linhas mestras do Orçamento de 2017 dentro do calendário do semestre europeu. Aí já não haverá razão para não as apresentar dentro desse calendário. A ‘próxima-vigilância-próxima’ será essa”, prevê o antigo comissário europeu.